A repetição excessiva, nos Media, do vídeo em que uma aluna da Escola Secundária Carolina Micaelis, no Porto, disputou com uma professora o telemóvel que lhe tinha sido apreendido levou a que se fizessem, em todos os meios de comunicação social, muitas afirmações sendo, a maior parte delas, pouco pertinentes. Falou-se da "crise" de Maio de 1968 que começou por ser uma contestação estudantil francesa e teve réplicas nos demais países desenvolvidos, “dos eduquês” como ideologia pedagógica, da democracia e da ditadura, da esquerda e da direita, de variadíssimas ideologias pedagógicas e de muitas correntes filosóficas sobre a Educação. Foram muitas as reflexões e os comentários dos "opinion makers" a desfilar, principalmente, no pequeno écran!
Este incidente com o telemóvel, “arma indolor”, não devemos considerá-lo pontual mas, também, não podemos exagerá-lo. Só teve importância e visibilidade porque foi gravado com um telemóvel e disponibilizado no “YouTube”. Este episódio não é mais do que um problema entre outros, não se devendo cair na tentação de se fazerem generalizações. E contra os que consideraram as escolas lugares pouco seguros e sem autoridade, quero afirmar que as escolas que conheço são, em geral, os locais mais seguros da comunidade. A repetição exacerbadíssima deste caso, numa atitude alarmista e despropositada em nada ajudou nem ajudará a resolver os problemas das nossas escolas. Quando o Senhor Procurador Geral da República, Pinto Monteiro, veio a público afirmar que “os alunos vão armados para as escolas com pistolas 6,35 e com facas”, depreendemos que as escolas funcionam como "embriões de violência". Riscar automóveis, extorquir dinheiro com arma branca a colegas, levar 6,35 para se defender ou intimidar os pares serão incidentes pontuais? Será que podemos desvalorizar as declarações do Senhor Procurador Geral da República? Será que estaremos a chegar ao dia em que os alunos só entrarão na escola depois de passarem por um detector de metais, como acontece em muitos estabelecimentos de ensino dos Estados Unidos?
Relativamente à violência em meio escolar, em Portugal, não existia, até há pouco tempo - e continua a não existir de forma sistemática - qualquer investigação que caracterize com relativa exactidão o que se passa nas escolas neste domínio. Dos estudos que conheço, nenhum deles foi realizado no sentido de caracterizar comportamentos, contextos e pessoas envolvidas em situações consideradas violentas no meio escolar.
Mas estará a Escola Pública a viver uma crise de valores? Teremos uma Escola Pública “morangos com açúcar”?
Pela minha experiência, ouso afirmar que as Escolas Públicas não são violentas e tanto os professores como os conselhos executivos têm todas as condições para reportar os incidentes ocorridos. Não podemos misturar casos de criminalidade com casos de indisciplina escolar. Também é tempo de distinguirmos casos de irreverência, que sempre existiram, de casos de violência. Pode-se ser irreverente sem se ser violento ou criminoso. Actualmente, os professores têm dificuldade em manter a ordem na sala de aula e queixam-se, principalmente, do desrespeito e rejeição dos alunos pelas regras e, também, dos seus comportamentos pouco adequados. Contudo, este tipo de indisciplina não é violência e deve ser resolvido no seio da própria Escola, pois esta tem mecanismos para resolver estas situações.
Muito mais preocupante do que a indisciplina é a violência em meio escolar, principalmente o “bullying” que é mais difícil de se controlar. Esta forma de violência entre pares afecta particularmente as crianças e jovens e ocorre tanto nas escolas como em todos os lugares públicos.
No que concerne aos casos de violência sobre adultos só conheço os números avançados pelo Observatório da Segurança Escolar que registou, no ano lectivo passado, 185 agressões a professores nas escolas e nos arredores, ou seja, uma média de um caso por dia, contabilizando apenas os dias do calendário escolar.
Como os direitos das crianças, dos jovens e dos adultos e a sua protecção, são reconhecidos na Lei, não podemos, por isso, assistir, passivamente, a atropelos diários de direitos fundamentais.
Relativamente ao papel do Estado, verificamos que o Governo já investiu 15 milhões de euros em projectos para combater a indisciplina e a violência nas escolas, reforçou, recentemente, o programa Escola Segura com um aumento de 500 agentes. Contudo, o Estado tem-se desresponsabilizado de criar condições o que pode ser verificado pela degradação das Escolas, pela falta de funcionários nos recreios, pela a falta de psicólogos, pela falta de equipas multidisciplinares.
É tempo de pôr-se de lado a tentação de desresponsabilizar muitos actores e instituições sociais, culpabilizando apenas os professores, os funcionários e os conselhos executivos. O caso do telemóvel e todos os outros casos dizem respeito a toda a sociedade, nomeadamente aos pais que deverão repensar a forma como educam os seus filhos para a disciplina e o respeito pelos outros.
Entretanto, passemos das palavras aos actos e comecemos por explicar aos nossos filhos que a indisciplina gera violência e que o facilitismo é inimigo da exigência. Se assim fizermos, estaremos a dar o primeiro passo na construção de uma Escola Pública bem melhor.
Publicado no jornal o "Geresão" em 20 de Abril de 2008.
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