“Não quero frango, nem franganote, muito menos
galinha velha, quero o seu melhor galo, ouviu!”
O caricato deste recente episódio ilustra que o
rei da capoeira para as nossas bandas ainda vai cantando bem alto continuando a
ser a principal moeda de troca na paga de favores.
Não pretendo fazer o aproveitamento mediático da
atitude torpe deste funcionário, muito menos aceito que me acusem de verbomania
e de generalizador das situações. No entanto, se reflectirmos sobre o sucedido,
constatamos tratar-se, evidentemente, de uma manifestação de mau profissionalismo
e não de qualquer “galomania”. Raros são aqueles que, na Nossa pacata Terra,
desconhecem este e outros episódios.
É inadmissível que os nossos serviços públicos
alberguem e sustentem, com gastos faraónicos, funcionários que, na sua prática
diária, só não se atrevem a labutar para o bísaro, mas vão trabalhando para o
sarrabulho, para as chouriças de sangue, para o chourição e para o presunto.
Interessa-me aqui salientar como sendo, sem qualquer dúvida, acto corrupto e
ignóbil que em nome do “arranjinho” se ganhe o cabrito ou se coma a chanfana. É
abjecto que alguns vilões devorem o coelho que tanto suor custou à gente
humilde desta Nossa Terra. É desprezível comer o pão divinal dos nossos
lavradores. É infame beber, “à pala”, a boa pinga. Também é condenável “mamar”
o peru. “Não o quero vivo. Não o sei degolar! Mate-mo, por favor…” E lá é
adiado, às vezes, por umas horas a morte do bicho! Depois, regressa devidamente
esventrado e limpo só lhe faltando o recheio. Que vassalagem e que mordomia!
Igual destino espera aos nossos galos e aos
nossos polhastros. “Que boa cabidela! Que bom pica no chão!” Uma vez ou outra,
os “sugadores de boca fina”, também sorvem inocentes cabritinhos!
Mas como a nossa bondosa e ingénua gente não os
presenteia com o molho das couves, o feixe da erva e a saqueta do milho, alguns
dos zelosos “chupistas”, por falta de logística, já chegaram a recorrer ao
“hotel alheio”. Nisto não costuma haver segredo: “Que chatice, tenho a arca
cheia! Por favor, tratas-me do galo! É só por uns dias...” Que bom negócio não
seria ter criado, à semelhança dos hotéis para cães, hotéis para os galos! Não
sei se a Nossa Terra precisa(va)?!
Muitos dos favores feitos podem ser medidos a
“olhómetro”, basta observar o tamanho da saca. Quanto maior é a saca, maior
foi, certamente, o jeito, a intrujice e, quiçá, a embustice. Que jeito
fraudulento! Mas que saca! Mas que grande sacada! Uma epidemia! Não, é bem
maior, grassa uma pandemia… Eureka: a “panfavoria” e a “omnisacaria”!
Como se aproxima o Natal prevejo ser inevitável o
corridinho da saca, uma perfeita “multisacaria”. É a servidão e a gulodice da
saca que reduzirá a uma bagatela o Pai-Natal!
Contam-me alguns mirones insuspeitos que, às
vezes, as sacas e as sacadas são colocadas nas portas erradas. Nunca se chegou
a pensar no cicerone do saco ou no posto informativo da saca. Não vá o diabo
tecê-las! Qualquer dia, quem menos espera, poderá encontrar, à porta do seu
doce lar, um cabritinho preso por uma guita, um bacorinho ou até um garrano
seguro por uma robusta corda! Surpresa maior, talvez um asno! Camelo,
afianço-vos, nunca!
Que atrevimento e que carão têm os
“superfuncionários”, audazes em “multifavores” e nos “mini e hiperfavores”,
também nos comportamentos (in)suspeitos e proveitosos que nunca comprometeram
ninguém: nem a empregada de limpeza que também manda, nem o senhor doutor que
manda pouco, nem o chefe que se já esqueceu que manda, e sabe-se lá mais
quem!... Desrespeitam-se hierarquias porque há “rabos presos”! Nesta tipologia
da função pública, todos costumam ser argutos e vão sabendo fazer as coisas.
Nunca receiam uma “operação sacas limpas”! Não sei o que seria com tanta
“sacalhada”!
Tudo decorre, na Nossa pacífica Terra, quase numa
pueril fantasia. Que inocentes que nós somos! Neste idílico espaço,
granjeiam-se instantes de felicidade e, à custa dos simples, vão crescendo as
dispensas, as arcas-frigoríficas e saciam-se os estômagos famintos dos cravas.
A cunha, o favor e o galo bem juntinhos
justificam a tendência de alguns para o percalço e para a tentação. É a “gula
da saca” e a ignorância da ética e da deontologia que explicam a incontrolável
vontade humana para errar - errare humanun est. Estes eleitos e vis corruptos
enrolam os mais humildes e os mais pobres, vão, compulsivamente, cometendo
pecadilhos e pecadões em proveito da glutonaria. Será a polifagia que os move?!
Esta é a (in)consciência de alguns dos
verdadeiros caciques pendurados no “tachinho público”, velhinhos no ofício, à
boa maneira do Estado-Novo, os especialistas compulsivos da intrujice e do
favor em nome da meritocracia. Persistem em sobreviver estes abnegados e
refinados glutões das sacas, ludibriantes do Nosso ingénuo e incauto Povo,
principalmente o que desce dos nossos montes e não só.
Separemos as águas: os funcionários públicos da
Nossa Terra são, na sua esmagadora maioria, óptimos. Os que baldrocam e usam
argumentilhos para cumprirem com o seu dever são raríssimas excepções. Servir a
população, sem esperar qualquer paga ou favor, não é uma ingente missão, como
apregoarão alguns destes biltres, mas é um simples dever do funcionário.
Hoje, mais que nunca, espera-se de toda a nossa
função pública a prontidão na resposta, satisfazendo-se de imediato todos os
cidadãos. Sustentar-se com o fim do mês e não com “os trabalhinhos” em prol da
saca deve fazer parte integrante da moral de qualquer funcionário. Os maus
profissionais devem alterar os seus procedimentos, caso não o façam, deverão
pedir a exoneração. Sócrates, o nosso Primeiro, dispensar-vos-á! Arguirei
sempre os prevaricadores, os que ainda teimam nos métodos usuais e clássicos e
nas habilidades. Que sagacidade julgam ter?!
Lutemos com perseverança contra a mundividência
destes péssimos protótipos. Aniquilemos todos os “parasitas” nocivos para que
seja extinguida a pouca conspurcação ainda existente no nosso funcionalismo
público que, a persistir impunemente, nos envergonhará sempre. Não proponho
nada de utópico, mas, simplesmente, um boicote activo aos ultrajantes,
forçando-os a baixar de uma vez por todas a “crista” e a fasquia para que se
limitem, unicamente, às normas da cortesia, ao muito obrigado.
Quando assim for, bem hajam, todos estaremos de
parabéns!
Publicado no jornal o "Geresão" em 20 de Dezembro de
2006.
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