domingo, 3 de janeiro de 2010

Comandante Faria, um voluntário de corpo e alma


Ser socorrista significa trabalhar ou desempenhar uma função sem intuito de retribuição financeira ou outra. Também significa estar sempre disponível para todas as tarefas que lhe são propostas ou confiadas. É neste contexto que o nosso entrevistado se integra. O espírito de entreajuda, a solidariedade, o altruísmo e o labor desinteressado constituem os valores por excelência do Coordenador da Delegação da Cruz Vermelha de Terras de Bouro.
Em 1985, Manuel António de Sousa Faria aderiu como voluntário à Cruz Vermelha de Terras de Bouro, tendo integrado a segunda incorporação recebendo formação num grupo constituído por 12 ou 13 recrutas. Nessa altura, o Núcleo da Cruz Vermelha de Terras de Bouro estava a dar os seus primeiros passos. Era comandado por Francisco José Machado de Sousa, primeiro comandante, infelizmente, já falecido. Nessa época, o núcleo contava, apenas, com 12 socorristas formados na primeira escola.

Em 1994, Manuel António de Sousa Faria, por ser o mais graduado, tornou-se o terceiro comandante do Núcleo Local da Cruz Vermelha e passou a ser o responsável pelos serviços activos, ambulâncias, instrução, exercícios, ou seja, pelo corpo activo dos voluntários.

Na família do comandante Faria todos são socorristas: a esposa, o filho, a filha e a nora.

Voluntário de corpo e alma, assim como toda a família, nunca esperou da Cruz Vermelha qualquer contrapartida, dando conjuntamente com a família o seu melhor para proteger a vida e a saúde de todos os terrabourenses e não só.

Ao longo destes anos, foram muitas as noites mal dormidas e teve, muitas vezes, de pôr dinheiro do seu bolso para, entre outras despesas, suportar deslocações e telefonemas. A esta opção de vida acrescem, ainda, as privações que a família teve de suportar para que a Cruz Vermelha de Terras de Bouro não tivesse percalços de funcionamento. Com um sorriso no rosto, a serenidade e a simplicidade que todos nós lhe reconhecemos afirmou à reportagem de “O Geresão” que “o comandante é o bombeiro da Cruz Vermelha porque quando alguém falha ou falta avança de imediato o comandante”.

Actualmente, está de serviço das 24 horas às 8 horas da manhã, excepto às quartas e às segundas-feiras. Ainda faz escalas às terças-feiras, às vezes, aos sábados e aos domingos. Aos 67 anos o nosso valoroso comandante não desanima. Tem consciência de que são muitas horas de serviço, mas continua firme no seu posto.

O comandante Faria já recebeu as medalhas de mérito da Cruz Vermelha. Conta já com a de bronze, a de prata e a de ouro por comportamento exemplar. O facto de estar aposentado deu-lhe, ainda, mais tempo para prestar mais apoio à Cruz Vermelha local.

A Cruz Vermelha de Terras de Bouro é uma das 186 delegações nacionais e conta, actualmente, com muitos socorristas jovens, mas necessita de mais voluntários.

Para além da falta de recursos humanos, o comandante Faria preocupa-se continuamente, também, com a escassez de dinheiro. A falta de recursos financeiros vai sendo contornada com peditórios, com rifas e com a ajuda da Autarquia que costuma suportar um terço do custo de cada ambulância. “Os apoios são poucos, o meio é pobre. Sem grandes comércios e sem indústria torna-se difícil encontrar patrocínios. Às vezes, as pessoas perguntam-nos para que querem o dinheiro se vocês não ganham? Esquecem-se das nossas despesas! Não se lembram de que temos de pagar, entre outros, telefone, luz, pneus, gasóleo. Acresce, ainda, a manutenção das ambulâncias que não é nada barata. Há dias, fizemos a revisão da Mercedes e gastámos 1200 euros. Para a revisão dos 200 mil kilómetros da ambulância de emergência, a Volkswagen, recentemente, apresentou-nos um orçamento de 4500 euros. São despesas que se tornam incomportáveis. Hoje, contamos com três ambulâncias: uma de emergência e duas de transporte. Às vezes, são usadas as três, havendo dificuldades em satisfazer o serviço. Precisávamos de mais uma viatura para termos a resposta certa e ideal. Mas cada ambulância custa-nos à volta de 40 mil euros”.

Relativamente às instalações o comandante Faria considera-as razoáveis, embora um pouco pequenas. A Câmara fez melhoramentos encontrando-se agora as infra-estruturas com muito melhores condições.

Manuel Faria considera que a Autarquia tem ajudado naquilo que pode, mas o Poder Central vai-se esquecendo da Cruz Vermelha. “Tudo o que nós fazemos é por amor à camisola, devíamos ter, ainda, mais ajudas e incentivos. Por exemplo, os Bombeiros não pagam taxas moderadoras porque pertencem ao Ministério da Administração Interna e nós pagamos porque pertencemos aos Ministério da Defesa”.

O comandante Faria apela ao bom senso das pessoas. “Compreendam-nos e respeitem-nos mais um bocadinho”. Sublinha que alguns cidadãos não têm formação e consciência social e, por isso, “fazem-nos exigências, confundem-nos até com funcionários públicos”. Algumas pessoas costumam dizer: “se o Estado não paga, que vos pague!”

Considera a mentalidade da gente de outras terras, nomeadamente da gente de Amares mais aguerrida, solidária e voluntária. “Quando vim morar para Terras de Bouro constatei que as pessoas eram mais individualistas e com falta de tempo. Aqui, as pessoas cansam-se muito depressa!”

O comandante Faria está a prever uma nova incorporação, talvez para 2010. Da última recruta, já só restam metade dos voluntários para trabalhar na Delegação porque umas ficaram grávidas, outros desistiram, outros mudaram de residências e outros, ainda, abandonaram.

Confidencia-nos que o custo médio por recruta é elevadíssimo. “Por exemplo, o fardamento custa mais de 250 euros e se o multiplicarmos por vinte recrutas dá-nos uma despesa significativa”. Receia que a próxima recruta possa estar comprometida se não conseguir arranjar financiamento para as novas fardas. Conta com o apoio da Câmara Municipal e, certamente, com um reforço maior de verba, mas terá de procurar outros meios para conseguir o dinheiro indispensável. Informa a nossa reportagem que a idade para participar na recruta é dos 18 aos 45 anos ou 16 anos com autorização dos pais e escolaridade obrigatória.

Em sua opinião, é essencial que o voluntário da Cruz Vermelha tenha as seguintes características: respeito e tolerância, capacidade de adaptação e de aprendizagem, iniciativa, atitude solidária, empatia, compromisso e capacidade de trabalhar em equipa. Mas as qualidades de um socorrista passam por ter vontade e disponibilidade para ajudar o próximo e deve ser, acima de tudo, uma pessoa responsável. Ao comandante compete-lhe ser calmo e com muito sangue-frio para comandar uma delegação. Para além de ser necessária uma paciência muito grande é preciso também ter um estômago enorme para “engolir muitos sapos”.

Já socorreu muitas pessoas. Algumas delas embriagadas. Uma das histórias caricatas de que se lembra foi ter prestado socorro a um motociclista que chocou, numa curva, contra uma carrinha que circulava em sentido contrário. O motociclista despistou-se, caiu numa leira e desmaiou. O dono da carrinha ao pressentir o embate, travou e outro automobilista bateu-lhe na traseira. Mas o proprietário da carrinha não conseguiu responsabilizar o motociclista “porque este vinha com tanta força que desapareceu numa recta”. Mal ele sabia que o motociclista se tinha despistado e jazia desmaiado numa leira.

A divulgação da Delegação da Cruz Vermelha na Internet ainda não é possível porque não dispõe de blog ou de sítio. Há 20 anos atrás, foi publicado, bimensalmente, o jornal “O Solidário”. Feito pelo Dr. Joaquim Cracel Viana e por voluntários que, infelizmente, já não estão ao serviço nesta delegação da Cruz Vermelha. “Era a nossa voz local”. Nessa altura, havia muitos jovens socorristas e cada um dava uma notícia e editava-se facilmente o jornal. Recorda com saudade que, às vezes, a camarata tornava-se pequena e alguns dos jovens chegavam a dormir nas ambulâncias.

As confraternizações, tais como, a Ceia de Natal, o magusto e convívios continuam a ser feitos. A Coordenação de Terras de Bouro também coopera com as delegações da Cruz Vermelha de Rio Caldo e do Gerês. “Ainda recentemente participámos num simulacro no Terreiro de S. Bento”.

Para o comandante Faria, a Professora Maria Venusina e o Dr. José Araújo foram as pessoas mais marcantes para a Delegação da Cruz Vermelha de Terras de Bouro. “Estamos-lhe muito agradecidos a ambos. Foram grandes amigos da Cruz Vermelha”.

Mas para que a solidariedade seja cada vez mais efectiva na nossa terra é necessário que ela se torne cultura. O caminho para o fazer é o investimento cada vez maior na educação dos nossos jovens para os valores de solidariedade. Também é necessário apoiar a dinamização comunitária.

Entretanto, reconheçamos o trabalho solidário e discreto do comandante Faria que se dá desinteressadamente aos terrabourenses e, em particular, à Cruz Vermelha.

Obrigado, comandante!
José Guimarães Antunes
Publicado no jornal o "Geresão" em 20 de Maio de 2009.

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