quinta-feira, 9 de maio de 2013

S. João do Campo: entrevista do cónego Dr. João Aguiar Campos

O cónego João Aguiar Campos tem 63 anos, sendo natural de S. João do Campo, Terras de Bouro. Formou-se em Teologia nos seminários de Braga e foi ordenado sacerdote em 1973. Entre 1974 e 1976 frequentou Ciências da Informação na Universidade de Navarra, em Espanha. Ingressou no Diário do Minho em 1976 e, em 1981, na Rádio Renascença.
Diretor do jornal Diário do Minho em 1997, desempenhou essas funções até 2005, altura em que foi designado presidente do conselho de gerência do Grupo Renascença. Em 2011 foi nomeado também diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja.
O cónego João Aguiar Campos é, atualmente, o nome maior da comunicação social da Igreja em Portugal. O antigo diretor do Diário do Minho é ainda o responsável de um dos maiores grupos de informação nacionais. Em véspera de assinalarmos o Dia Mundial das Comunicações Sociais, aceitou comentar a mensagem do Papa, que este ano se debruça sobre a presença da Igreja nos meios digitais.
A Igreja detém ainda muitos órgãos de comunicação social em Portugal. Como olha para o futuro da imprensa de inspiração cristã?
R_ Eu acho que a imprensa de inspiração cristã tem futuro, porque é uma necessidade da imprensa na sua generalidade. O nosso tempo é um tempo mediático. O que não se vê, o que não se ouve, o que não se lê, não existe. Nas conversas diárias as pessoas dizem “vi hoje na televisão...” ou “li hoje no jornal...”. Não podemos consentir, nós os crentes, que por omissão pecaminosa, Deus fique ausente do quotidiano, no meio de uma sociedade em evidente crise comunicacional.
Se deixarmos de comunicar, deixamos de ser Igreja, porque a Igreja é isso mesmo, é comunicação. No meio da ditadura do relativismo, a comunicação social da Igreja deve manter viva a busca de sentido e garantir espaço para a nossa sede de infinito. Para responder a esta necessidade, temos naturalmente de nos organizar. Precisamos urgentemente de uma pastoral da comunicação a sério, porque sem ela podemos ter abundância de meios, mas não teremos eficácia e eficiência no uso desses meios.
A necessidade desta pastoral, presente em todos os setores da pastoral, é hoje, mais do que nunca, sublinhada. O trabalho dos órgãos de comunicação social não é uma atividade complementar, mas tem uma implicação em todos os aspetos da missão da Igreja. A comunicação deve fazer parte integrante de todos os planos pastorais, dada a necessidade do seu contributo para qualquer apostolado. Esta é, repito, uma urgência da Igreja portuguesa.
Poderíamos ler e reler um directório sobre comunicação social da Igreja, publicado pela conferência episcopal italiana. Até porque os brasileiros, que estão à nossa frente neste domínio, não tiveram vergonha de recorrer a um documento de bispos italianos.
Foi muitos anos diretor do mais importante diário regional do Minho. Que balanço faz desse período?
R_ Faço um balanço, pessoalmente, positivo. Para mim foi muito gratificante trabalhar num jornal da Arquidiocese, cristão e de publicação diária, mas também trabalhar com a equipa e com as pessoas que compunham a empresa, desde a administração aos jornalistas. Naturalmente, também foi um tempo de transformações na própria empresa. O jornal, ao qual o monsenhor Silva Araújo tinha dado grande impulso, entrou também numa outra etapa. Tinha ganho a cor e uma nova apetência do ponto de vista do consumidor. Fica sempre um sabor amargo quanto às possibilidades de expansão do jornal e quanto à necessidade de dotar o jornal para ser rápido e profundo a pensar. O que é que eu quero dizer com isto? Estamos a atravessar uma fase em que a informação é debitada, mas é pouco lida ou comentada. Hoje, a informação quase esbarra connosco no telemóvel, nos ecrãs das ruas, nos nossos portáteis, mas não chega até nós com um olhar mais profundo. A informação aparece como acontecimento, mas não chega até nós descascada. É muito superficial.
Nesse aspeto, a Igreja deve ter os seus órgãos de comunicação dotados de gente que saiba fazer esta análise mais profunda dos acontecimentos.
Atualmente lidera um dos principais grupos de informação em Portugal, o grupo Renascença. Como se sente nesse papel?
R_ Em todos os lugares por onde passo tento sentir-me padre e um padre chamado a comunicar. Neste caso particular, não através das formas tradicionais, como as pregações ou homilias, mas a orientar a comunicação de uma grande praça. Sinto que também a Renascença está a encarar a crise com valentia. Estamos a diversificar as nossas formas de estar.
Hoje a rádio não é apenas rádio. Para além dos quatro canais que o grupo possui – a Renascença, a RFM, a Mega Hits
e a Rádio Sim – temos mais três rádios simplesmente on-line, um jornal digital semanal que é distribuído para cerca de 75 mil emails, e ainda uma web TV ligada à RFM e à informação da Renascença.
Estamos realmente naquelas plataformas que o consumidor de informação exige. Neste ambiente e nesta civilização digital, o consumidor quer tudo agora e na plataforma que estiver mais à mão. Quer ver o acontecimento e reagir e comentar. A Renascença é uma rádio a evoluir e encara com otimismo o futuro.
Como vê o atual panorama da comunicação social em Portugal?
R_ O panorama da comunicação social vejo-o com preocupação. Os meios de comunicação social vivem os efeitos de uma convulsão económico-financeiras, que tem implicações diretas no investimento publicitário e comercial. O mercado publicitário, nos últimos anos, perdeu 300 milhões de euros. Trata-se de um setor em acentuada queda. Esta crise apanhou os meios de comunicação social num processo de transformação e adaptação ao universo digital. À falta de dinheiro, soma-se a urgência de transformações tecnológicas, o que implica um investimento num modo de fazer as coisas que ainda não traz ingressos. Toda a gente está na internet, mas a internet ainda não cobre todo o investimento que nela se faz, cujos números ainda não são negócio. A isto acrescenta-se a exigência da diferenciação através dos conteúdos. Para isso, é necessário investimento. Como hoje falta o dinheiro, assistimos a uma progressiva redução de qualidade de conteúdos. Basta olhar para as televisões. Juntam-se meia dúzia de pessoas, que se dizem famosas e faz-se disto conteúdo. São formas baratas de fazer as coisas. É uma dieta que quando já não pode atingir as gorduras, começa a atingir os músculos e o cérebro. Não há dinheiro para fazer jornalismo de investigação.
A juntar a estes fatores, no que toca ao jornalismo de inspiração católica, temos o problema do rejuvenescimento dos públicos. Hoje estamos muito envelhecidos. A última estatística indica que os leitores da imprensa de inspiração cristã anda na ordem dos 65 anos. Temos que recuperar os mais jovens.
O que deve diferenciar a missão de um órgão de comunicação social católico em relação aos demais? É o tempo e espaço dedicado à informação religiosa?
R_ Penso que não deveremos somar mais páginas ou conteúdos religiosos aos já existentes. Ao fazermos isso, estamos a pescar dentro de um aquário. Há que ter, sim, uma capacidade de análise, seja na seleção, seja no tratamento da informação.
Devemos encarar todos os desafios e problemas dos homens do nosso tempo e lê-los com olhos crentes. Não estou a menosprezar a informação religiosa. A informação religiosa é uma informação jornalística que deve ser tratada como outra informação qualquer. Não temos que estar sempre a aspergir água benta. É mais importante que nunca o olhar cristão sobre aquilo que se passa, um olhar de esperança quando estamos a atravessar um momento de particular crise.
O Papa pede-nos, este ano, para reflectirmos na importância crescente das redes sociais na comunicação em sociedade. Pensa que a Igreja já está suficientemente representada nestes meios?
R_ A Igreja tem feito um grande esforço, e estou a falar inclusive da Igreja de Braga, que já marca aí uma presença interessante, para estar presente nesta praça habitada e partilhada por milhões de pessoas, com as suas culturas e interesses.
Não se fala essencialmente de instrumentos digitais, mas de um meio que corresponde a uma grande praça. Este mundo digital é, de facto, um novo continente. O Papa diz-nos que, para que este lugar seja perder por falta de comparência. Teremos que dar contas a Nosso Senhor se não usarmos os meios que temos disponíveis.
O Papa Bento XVI, que viveu neste tempo de grandes transformações, apelou a nós, padres, para utilizarmos mais este meio.
O que destacaria da Mensagem para o 47.º Dia da Comunicação Social?
R_ Eu penso que tem cada vez menos medo. Acho é que a Igreja continua, felizmente, prudente. Não basta pensar que ao utilizar uma nova tecnologia ela vá ter os efeitos positivos que em si mesma comporta. Por exemplo, a Igreja ao entrar no mundo digital, não pode perder de vista o conteúdo e a dificuldade de plasmar este conteúdo num ambiente muito virtual e emotivo. Penso que, sendo prudentes, não podemos estar ausentes.
Fonte: Diário do Minho, em 9-05-2013

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