O Prof. Emídio era um homem de média-baixa estatura, tronco ligeiramente curvado para a frente, de passo miúdo, e com uma tendência física a olhar para o chão. Muito mais tarde viemos a saber, casualmente, que também olhava muito para o alto. Os seus modos eram vagarosos, despreocupados e chamativamente serenos e discretos, mas manifestava um grande respeito e atenção pelos outros.Era dotado dum pensamento longamente detido e benévolo, mas notava-se que era suavemente exigente. (...) "De uma simplicidade de que só os grandes espíritos são capazes, muitas vezes nos impressionava peIa actualização dos seus conceitos, pela agudeza do seu raciocínio, pela bondade do seu julgamento e até porque não dizê-lo pela acutilância da sua fina ironia" (...). Ouvia muito, via muito e falava pouco. Isto definia, para os que o rodeavam, uma personalidade que evidenciava uma acentuada originalidade pessoal, uma singular simplicidade e uma extraordinária mestria de forma. Como professor, para os alunos, já o dissemos, estes traços não o ajudavam nada: sem dotes de eloquência, tornava-se monocórdico. Mas como director, as coisas mudavam radicalmente. O Prof. Emídio não dirigia através de disciplina que se sentisse, muito menos da força ou do ruído, mas pelo constante exemplo da elevada densidade humana e científica da sua conduta, que tinha a modéstia como aparente virtude cardeal. E assim o seu exemplo tocava e arrastava os que trabalhavam e viviam a seu lado. Portava-se talvez mais como um bom modelo de pai do que de director. Ajudava-os a crescer. A pausada piada fina a propósito, muitas vezes com tom jocoso, que descontraía e unia, saía-lhe com frequência e graça; muitas delas ficaram como gratas recordações na boca dos que o rodearam e espalharam-se. Este modo de ser e dirigir contrastava muito na época; as direcções eram geralmente duras, distantes, e até, por vezes, ruidosas. Como me testemunhou um seu amigo muito próximo, de modo muito original e perspicaz, "o Prof. Emídio, muito mais que um director; foi um formador de gerações de médicos, e o criador duma nova escola". Era, de facto, um modo surpreendente de estar e dirigir. Virou a maneira de chefiar do avesso e semeou muitos frutos para o futuro.
Nas visitas às enfermarias ou nas reuniões, o Prof. Emídio geralmente tardava bastante para falar. Primeiro, ouvia, ouvia muito atento; também auscultava e observava cuidadosamente; pelo meio, calma e delicadamente, lançava frequentemente uma hipótese de diagnóstico, geralmente certeira, em que os assistentes muitas vezes ainda não tinham pensado: "vocês já pensaram nisto?... Não será aquilo?... Outras vezes, fazia ele ou aconselhava a fazer mais perguntas ao doente.
Escrevia, tomava notas e voltava a ficar bastante tempo calado a pensar. Ouvia atenciosamente tudo e todos, até o mais novato. Criava-se expectativa pela sua opinião final. Finalmente, falava. O seu discurso, muito ponderado e sereno, começava entrecortado nas palavras e era precedido por gestos largos e circulares da mão direita, entre cujos dedos, habitualmente, segurava e agitava, por tique, uma banal esferográfica Bic de esfera fina. Quando o diagnóstico não confirmava nenhuma das hipóteses clínicas levantadas, a dele incluída, rematava: "bem, meus amigos, hoje é dia de enfiarmos todos a touca". Preservando-se, assim, do veneno da vanglória que destrói o mérito, "ajudava os outros a descobrir; questionando, e sujeitava-se a errar na frente deles para ensinar que também errava".
Uma espantosa lição de humildade e de vida!
Fonte: Jornal Geresão, em 20-10-2010
Nas visitas às enfermarias ou nas reuniões, o Prof. Emídio geralmente tardava bastante para falar. Primeiro, ouvia, ouvia muito atento; também auscultava e observava cuidadosamente; pelo meio, calma e delicadamente, lançava frequentemente uma hipótese de diagnóstico, geralmente certeira, em que os assistentes muitas vezes ainda não tinham pensado: "vocês já pensaram nisto?... Não será aquilo?... Outras vezes, fazia ele ou aconselhava a fazer mais perguntas ao doente.
Escrevia, tomava notas e voltava a ficar bastante tempo calado a pensar. Ouvia atenciosamente tudo e todos, até o mais novato. Criava-se expectativa pela sua opinião final. Finalmente, falava. O seu discurso, muito ponderado e sereno, começava entrecortado nas palavras e era precedido por gestos largos e circulares da mão direita, entre cujos dedos, habitualmente, segurava e agitava, por tique, uma banal esferográfica Bic de esfera fina. Quando o diagnóstico não confirmava nenhuma das hipóteses clínicas levantadas, a dele incluída, rematava: "bem, meus amigos, hoje é dia de enfiarmos todos a touca". Preservando-se, assim, do veneno da vanglória que destrói o mérito, "ajudava os outros a descobrir; questionando, e sujeitava-se a errar na frente deles para ensinar que também errava".
Uma espantosa lição de humildade e de vida!
Fonte: Jornal Geresão, em 20-10-2010
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