Publicamos a “Nota de Apresentação” feita pelo Dr. José Viriato Capela ao livro “Terras de Bouro – Cem Anos de Adversidades”. Recordamos que esta obra, da autoria do Dr. José Araújo, foi publicada, pela Câmara Municipal de Terras de Bouro, no dia do Município.Atrevemo-nos a dizer que esta Nota de Apresentação deste distinto terrabourense está fantástica. Lembramos que o nosso Dr. José Viriato Capela, homem simples, mas com um currículo invejável, para além de Vice-reitor da Universidade do Minho é, também, um dos seus mais ilustres professores doutores.Nota de Apresentação
Tive o particular privilégio de integrar com o Dr. José Araújo o elenco camarário saído das eleições municipais de 1989, ele como presidente do Município, eu como único vereador da oposição (dos 5 que integravam o elenco camarário de maioria social-democrata).
Candidatara-me a Presidente, o povo na sua sabedoria elegeu-me vereador não executivo. O Dr. José Araújo vinha já de dois mandatos como Presidente, que exercera com grande assentimento popular.
Esse mandato (1990-1993) foi para mim de grande aprendizagem. Então tive oportunidade de confrontar algumas das leves noções académicas e utópicas visões sobre o municipalismo e poder local que os tempos ainda próximos do 25 de Abril de 1974 estimulavam, com o realismo e sabedoria do Dr. Araújo, baseado no conhecimento concreto da realidade administrativa que era então o emergente Poder Local e o conhecimento profundo do nosso concelho.
Homem da terra, mais do que eu, que dela me afastara mais longamente, conhecia tudo e todos. Tive então oportunidade de em múltiplas circunstâncias notar como a todos tratava pelo nome, perguntava pelas famílias, sabia em concreto a questão que se vinha tratar à câmara. Que ultrapassavam muitas vezes a esfera das matérias administrativas e tocavam questões de direitos e até problemas e dramas familiares que na pessoa do Dr. Araújo como homem de Direito e Homem Bom da terra, procuravam mais do que como o Presidente da Câmara. A quem eu em grande parte via como munícipe, o Dr. José Araújo via como o vizinho, amigo e conterrâneo.
A acção de presidente da câmara desempenhava-a mais no contexto da resolução de problemas da terra, da aproximação e apaziguamento dos vizinhos e exercício de justiça distributiva feita no acordo das vivências e tradições locais, a que se mantinha irredutivelmente fiel, do que na aplicação da ordem político-administrativa vinda do exterior, a que faltasse o consenso local; em caso de conflito era a causa do povo, da terra, dos seus usos e costumes, do seu «direito consuetudinário», que prevaleciam, contra os ordenamentos jurídicos e políticos. Senti isso a propósito de questões maiores com que então a Câmara e Concelho foram confrontados e que então tratamos – o da Fronteira da Portela do Homem e do Parque Nacional Peneda-Gerês – mas também a propósito de muitas outras medidas que «chocavam» com a «cultura civilizacional» e «comunitária» dos povos da terra e da serra. Então aprendiz de ofício de historiador, de algum modo de historiador de História Municipal, percebi a distância que vai do presidente e juiz ordinário, ou juiz pela ordenação ou mesmo do juiz de paz da terra, ao juiz de fora do absolutismo ou do perfeito ou administrador do liberalismo; da câmara dos homens bons, eleitos directamente pelos povos, de modo rotativo e governam o concelho no mais amplo assentimento e consentimento, às câmaras dos partidos cujos vereadores são a expressão dos interesses partidários e correias de transmissão muitas vezes desligadas dos verdadeiros interesses locais.
Recordo sobretudo desses tempos os nossos debates sobre a História, em particular a História dos povos do nosso concelho. Aí mais uma vez tive oportunidade de confrontar a minha fruste cultura livresca com o alcance e robustez de uma História cerzida no quotidiano das populações que era por aí que geneticamente o Dr. Araújo a sentia e perscrutava. Nesse contexto, a essa luz, procedi a revisão de alguns conhecimentos e leituras mal assimiladas, designada mente as referentes à História do Comunitarismo, que eu absorvera dos paradigmas doutrinários, filosóficos, sociológicos ou antropológicos. Lembro que reli então Orlando Ribeiro, Jorge Dias e Tude de Sousa, e seus escritos sobre o comunitarismo dos povos da Serra do Gerês. Nesse sentido aliás se iniciou então a publicação dos Cadernos Municipais (1.0 volume de 1990). Era minha intenção reeditar a obra de Tude de Sousa, que o veio a ser feito recentemente pela edilidade de 2007-2009, presidida pelo Dr. António Afonso.
O que sempre mais me sensibilizou no Dr. José Araújo foi exactamente a paixão pela História, apesar, ou certamente por causa da sua formação de Letrado, em Ciências Jurídicas. Em particular a paixão pela História do seu concelho, na figura dos seus povos, instituições e movimentos colectivos, das suas figuras individuais, das mais ilustres, às mais humildes. Uma História encarnada nas condições de vida, agrestes e instáveis, do concelho de Terras de Bouro, que aprofundou, ou teve necessidade de aprofundar, para compreender as condições dos seus mandatos políticos à frente da câmara e para responder aos múltiplos desafios que sempre se colocaram ao concelho de Terras de Bouro. Desafios múltiplos de desenvolvimento, de autonomia e liberdade, de independência e até da sobrevivência. O conhecimento e a indagação histórica são aqui postas ao serviço da causa de Terras de Bouro.
Terras de Bouro, cem anos de adversidades é uma súmula maior, penso, deste ideário: buscar as raízes, as forças as condições que tem permitido à comunidade dos povos de Terras de Bouro manter os vínculos da sua unidade e coesão social-comunitária, contra as que por interesses pessoais, políticos, ou de interesses regionais maiores ao sabor de desenhos do território e organização política administrativa feitos a régua e esquadro, pretendem pôr em causa a força histórica e política destas comunidades, no quadro concelhio da sua organização.
No tempo do Dr. José Araújo o concelho de Terras de Bouro fez a passagem da circunscrição administrativa ao Poder Local e também deu passos significativos na passagem da «Idade Média» ao século XX. Foi em nome do poder local que Terras de Bouro sobreviveu e bateu o pé à ordem administrativa que o queria subverter, ao longo do século XIX e XX (até 1974). Espera-se que não seja o novo Poder Local que não dificuldades, antes ajude a impulsionar um concelho mais forte e independente.
Esta obra como outras que o Dr. José Araújo vai publicando contam, no essencial, a História do autêntico poder local destas comunidades, que antes de ser já o era. Mas também como a ordem político-administrativa e do Estado central e suas ancoragens regionais e distritais, pode subverter e submergir em função dos seus objectivos, este património, feito da cultura comunitária e independista. Um povo e o seu território a quem foi concedido o dever, então dizia-se privilégio, de defender Portugal, nas entradas pela Fronteira da Portela do Homem, em cujas tarefas ganhou elevado sentido cívico e político, aliás como todo o território fronteiriço de Portugal, deve ver reforçado o seu papel nas novas tarefas por onde se faz, modernamente, a construção da força dos Estados e Nações, no reconhecimento e valorização das suas diferentes comunidades, em particular as de maior força e coesão identitária.
Sou dos que foram insistindo com o Dr. José Araújo para que nos legasse por escrito o testemunho dos seus trabalhos e reflexões sobre a nossa terra, porque a sua experiência e longos mandatos de 22 anos como Presidente da Câmara e homem do concelho, são de uma riqueza e alcance incontornável. Pela minha parte estou-lhe imensamente grato pelo convívio que desde então desde esse já longínquo mandato de 1990/94 fomos mantendo. E pelo estímulo que sempre tem dado, aos meus trabalhos históricos. Fico muito honrado por me associar à edição desta obra que espero venha a constituir fonte de reflexão sobre o nosso passado, o nosso futuro enquanto comunidade moral, social e política independente.
Felicito nesta circunstância a disponibilidade da Câmara Municipal de Terras de Bouro se associar e apoiar a maior divulgação deste estudo. É uma História e sobretudo uma Memória que não se pode deixar cair no esquecimento, com o risco de nos diminuirmos e perdermos os horizontes.
Tive o particular privilégio de integrar com o Dr. José Araújo o elenco camarário saído das eleições municipais de 1989, ele como presidente do Município, eu como único vereador da oposição (dos 5 que integravam o elenco camarário de maioria social-democrata).
Candidatara-me a Presidente, o povo na sua sabedoria elegeu-me vereador não executivo. O Dr. José Araújo vinha já de dois mandatos como Presidente, que exercera com grande assentimento popular.
Esse mandato (1990-1993) foi para mim de grande aprendizagem. Então tive oportunidade de confrontar algumas das leves noções académicas e utópicas visões sobre o municipalismo e poder local que os tempos ainda próximos do 25 de Abril de 1974 estimulavam, com o realismo e sabedoria do Dr. Araújo, baseado no conhecimento concreto da realidade administrativa que era então o emergente Poder Local e o conhecimento profundo do nosso concelho.
Homem da terra, mais do que eu, que dela me afastara mais longamente, conhecia tudo e todos. Tive então oportunidade de em múltiplas circunstâncias notar como a todos tratava pelo nome, perguntava pelas famílias, sabia em concreto a questão que se vinha tratar à câmara. Que ultrapassavam muitas vezes a esfera das matérias administrativas e tocavam questões de direitos e até problemas e dramas familiares que na pessoa do Dr. Araújo como homem de Direito e Homem Bom da terra, procuravam mais do que como o Presidente da Câmara. A quem eu em grande parte via como munícipe, o Dr. José Araújo via como o vizinho, amigo e conterrâneo.
A acção de presidente da câmara desempenhava-a mais no contexto da resolução de problemas da terra, da aproximação e apaziguamento dos vizinhos e exercício de justiça distributiva feita no acordo das vivências e tradições locais, a que se mantinha irredutivelmente fiel, do que na aplicação da ordem político-administrativa vinda do exterior, a que faltasse o consenso local; em caso de conflito era a causa do povo, da terra, dos seus usos e costumes, do seu «direito consuetudinário», que prevaleciam, contra os ordenamentos jurídicos e políticos. Senti isso a propósito de questões maiores com que então a Câmara e Concelho foram confrontados e que então tratamos – o da Fronteira da Portela do Homem e do Parque Nacional Peneda-Gerês – mas também a propósito de muitas outras medidas que «chocavam» com a «cultura civilizacional» e «comunitária» dos povos da terra e da serra. Então aprendiz de ofício de historiador, de algum modo de historiador de História Municipal, percebi a distância que vai do presidente e juiz ordinário, ou juiz pela ordenação ou mesmo do juiz de paz da terra, ao juiz de fora do absolutismo ou do perfeito ou administrador do liberalismo; da câmara dos homens bons, eleitos directamente pelos povos, de modo rotativo e governam o concelho no mais amplo assentimento e consentimento, às câmaras dos partidos cujos vereadores são a expressão dos interesses partidários e correias de transmissão muitas vezes desligadas dos verdadeiros interesses locais.
Recordo sobretudo desses tempos os nossos debates sobre a História, em particular a História dos povos do nosso concelho. Aí mais uma vez tive oportunidade de confrontar a minha fruste cultura livresca com o alcance e robustez de uma História cerzida no quotidiano das populações que era por aí que geneticamente o Dr. Araújo a sentia e perscrutava. Nesse contexto, a essa luz, procedi a revisão de alguns conhecimentos e leituras mal assimiladas, designada mente as referentes à História do Comunitarismo, que eu absorvera dos paradigmas doutrinários, filosóficos, sociológicos ou antropológicos. Lembro que reli então Orlando Ribeiro, Jorge Dias e Tude de Sousa, e seus escritos sobre o comunitarismo dos povos da Serra do Gerês. Nesse sentido aliás se iniciou então a publicação dos Cadernos Municipais (1.0 volume de 1990). Era minha intenção reeditar a obra de Tude de Sousa, que o veio a ser feito recentemente pela edilidade de 2007-2009, presidida pelo Dr. António Afonso.
O que sempre mais me sensibilizou no Dr. José Araújo foi exactamente a paixão pela História, apesar, ou certamente por causa da sua formação de Letrado, em Ciências Jurídicas. Em particular a paixão pela História do seu concelho, na figura dos seus povos, instituições e movimentos colectivos, das suas figuras individuais, das mais ilustres, às mais humildes. Uma História encarnada nas condições de vida, agrestes e instáveis, do concelho de Terras de Bouro, que aprofundou, ou teve necessidade de aprofundar, para compreender as condições dos seus mandatos políticos à frente da câmara e para responder aos múltiplos desafios que sempre se colocaram ao concelho de Terras de Bouro. Desafios múltiplos de desenvolvimento, de autonomia e liberdade, de independência e até da sobrevivência. O conhecimento e a indagação histórica são aqui postas ao serviço da causa de Terras de Bouro.
Terras de Bouro, cem anos de adversidades é uma súmula maior, penso, deste ideário: buscar as raízes, as forças as condições que tem permitido à comunidade dos povos de Terras de Bouro manter os vínculos da sua unidade e coesão social-comunitária, contra as que por interesses pessoais, políticos, ou de interesses regionais maiores ao sabor de desenhos do território e organização política administrativa feitos a régua e esquadro, pretendem pôr em causa a força histórica e política destas comunidades, no quadro concelhio da sua organização.
No tempo do Dr. José Araújo o concelho de Terras de Bouro fez a passagem da circunscrição administrativa ao Poder Local e também deu passos significativos na passagem da «Idade Média» ao século XX. Foi em nome do poder local que Terras de Bouro sobreviveu e bateu o pé à ordem administrativa que o queria subverter, ao longo do século XIX e XX (até 1974). Espera-se que não seja o novo Poder Local que não dificuldades, antes ajude a impulsionar um concelho mais forte e independente.
Esta obra como outras que o Dr. José Araújo vai publicando contam, no essencial, a História do autêntico poder local destas comunidades, que antes de ser já o era. Mas também como a ordem político-administrativa e do Estado central e suas ancoragens regionais e distritais, pode subverter e submergir em função dos seus objectivos, este património, feito da cultura comunitária e independista. Um povo e o seu território a quem foi concedido o dever, então dizia-se privilégio, de defender Portugal, nas entradas pela Fronteira da Portela do Homem, em cujas tarefas ganhou elevado sentido cívico e político, aliás como todo o território fronteiriço de Portugal, deve ver reforçado o seu papel nas novas tarefas por onde se faz, modernamente, a construção da força dos Estados e Nações, no reconhecimento e valorização das suas diferentes comunidades, em particular as de maior força e coesão identitária.
Sou dos que foram insistindo com o Dr. José Araújo para que nos legasse por escrito o testemunho dos seus trabalhos e reflexões sobre a nossa terra, porque a sua experiência e longos mandatos de 22 anos como Presidente da Câmara e homem do concelho, são de uma riqueza e alcance incontornável. Pela minha parte estou-lhe imensamente grato pelo convívio que desde então desde esse já longínquo mandato de 1990/94 fomos mantendo. E pelo estímulo que sempre tem dado, aos meus trabalhos históricos. Fico muito honrado por me associar à edição desta obra que espero venha a constituir fonte de reflexão sobre o nosso passado, o nosso futuro enquanto comunidade moral, social e política independente.
Felicito nesta circunstância a disponibilidade da Câmara Municipal de Terras de Bouro se associar e apoiar a maior divulgação deste estudo. É uma História e sobretudo uma Memória que não se pode deixar cair no esquecimento, com o risco de nos diminuirmos e perdermos os horizontes.
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