Em 1988, o Parlamento aprovou uma lei para proteger o lobo ibérico, determinando que quem matasse um destes espécimes incorria em crime, mas não determinou a pena aplicável ao criminoso.
"Anedótico e inconstitucional", segundo o penalista Paulo Pinto de Albuquerque, aquele exemplo ilustra a qualidade das leis penais aprovadas fora do Código Penal (CP), fazendo por isso parte do "Comentário das Leis Penais Extravagantes", uma obra a apresentar hoje, terça-feira, na Universidade Católica, em Lisboa.
A obra, de 1672 páginas, dá conta de 112 decretos e leis penais que estão fora do CP. A recolha foi feita por 29 magistrados e um professor, Paulo Pinto de Albuquerque, e conclui que "o direito penal fora do CP está num estado caótico, as leis são antiquadas (...), contradizem-se umas às outras e algumas padecem de vícios graves".
Está neste rol a lei do lobo, mas Albuquerque adianta também os exemplos dos "crimes previstos nas leis eleitorais". Violar limites da propaganda em legislativas custa uma "multa" (contra-ordenação) entre 2,5 e 12,5 euros, mas, nas leis eleitorais autárquicas, a mesma conduta já é punida com "coimas" (crime) entre 50 e 500 euros.
Mas há outras contradições: as leis eleitorais punem os crimes de furto e dano de propaganda de presidenciais e legislativas com penas inferiores às previstas pelo CP (lei geral) para os mesmos crimes.
A solução passa por actualizar as leis, ou revogá-las, quando "completamente desactualizadas", defende Albuquerque, que critica ainda que "os crimes mais graves" estejam fora do CP. Refere o terrorismo e o genocídio, observando que, assim, não obedecem às regras da Parte Geral do CP.
Para o académico, dois problemas fundamentais explicam a profusão de crimes avulsos: "O legislador não tem uma visão de conjunto das leis penais; e cede à tentação de criminalizar tudo e mais alguma coisa, sendo mais fácil fazê-lo fora do CP".
Fonte: Jornal de Notícias, em 30-11-2010
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