São amarelas e bonitas, mas as mimosas são uma verdadeira praga. São os incêndios no Verão que favorecem o crescimento desta planta que ameaça o equilíbrio ambiental do parque nacional. A Guerra às mimosas aconteceu no fim-de-semana passado.
Um grupo de sete rapazes puxa, coordenadamente, uma mimosa com mais de um metro. A palavra "Scout" estampada nas grossas camisolas azuis identifica-os: são escuteiros. Puxam a planta uma e outra vez, até conseguirem arrancá-la pela raiz. "Esta já era", exclama Rui Barbosa, autor de um blogue dedicado à Peneda-Gerês e um dos organizadores da Guerra às mimosas, uma iniciativa realizada no passado fim-de-semana no Parque Nacional Peneda-Gerês (PNPG), que reuniu centenas de pessoas durante dois dias.
Na encosta da serra, junto à vila do Gerês, há muito menos verde do que é habitual. No seu lugar existem manchas negras que ainda assinalam os incêndios do Verão passado, mas é o amarelo que acompanha o negro que torna a paisagem mais estranha. São mimosas e por ali chamam-lhe "praga". A planta infestante está a tomar o lugar das espécies autóctones e a colocar em perigo o equilíbrio da natureza no parque, temem os especialistas. Foram os incêndios do Verão que favoreceram o crescimento das mimosas.
"Têm mesmo de ser arrancadas, se não voltam rapidamente a crescer", explica Barbosa. Durante dois dias, milhares de outras mimosas foram puxadas pela raiz pelos voluntários. A iniciativa nasceu na Internet, através do blogue Carris e da página do Facebook da Comunidade Gerês. E foi através do online que se espalhou a palavra que levou mais de cem pessoas ao PNPG.
Os voluntários foram à luta, mas reconhecem que esta é "uma guerra quase perdida". "As mimosas têm grande capacidade de se estenderem rapidamente, não dando qualquer hipótese a que outras plantas consigam germinar", explica Rui Barbosa. Por isso, o trabalho do fim-de-semana concentrou-se nas plantas jovens. As restantes precisarão de meios mecânicos e químicos para desaparecerem.
Além da facilidade de expansão, as mimosas são uma espécie invasora com grande capacidade de resistência, escapando mesmo à destruição pelo fogo. Aliás, os incêndios são um dos melhores amigos desta planta, que produz umas bagas. Estas, quando florescem, pintam tudo em volta de amarelo. A temperatura elevada do fogo quebra o estado de dormência das sementes e abre espaço para que as mimosas cresçam livremente.
Há vários anos que as mimosas se estão a espalhar no parque, mas os incêndios do início de Agosto do ano passado, que ameaçaram durante vários dias zonas importantes do parque, como a mata do Cabril, criaram condições para o seu rápido crescimento. É por isso que a encosta da serra do Gerês está mais amarela do que o costume. E, em poucos meses, as mimosas passaram a mandar naquela paisagem.
"Gostamos disto verde"
As mimosas crescem e tomam o lugar da flora endémica do parque nacional, substituindo plantas essenciais para o equilíbrio natural da área do PNPG. Mas não apenas para as plantas, também para alguns animais, cujo habitat é alterado, ou seja, com a redução do número de plantas essenciais para algumas espécies se alimentarem, há seres vivos que correm riscos.
"Qualquer dia não há carvalhos no Gerês", admite Xavier Fernandes. Este jovem bancário veio de Braga para ajudar a combater a praga amarela. Com ele está Paulo Figueiredo, barcelense, que o ajuda a arrancar plantas na encosta íngreme da zona do Vidoeiro. Paulo é desenhador de etiquetas. "Passo oito horas por dia em frente a um computador. Sempre que posso fujo para aqui", conta. Acredita que a acção em que é voluntário é "boa para a natureza". "Tem que haver espaços para todas as espécies", sublinha. Xavier concorda: "Nós gostamos disto verde, não é amarelo."
Metros abaixo, numa encosta íngreme a poucos quilómetros de Caldas do Gerês, Helena Azevedo corta alguns ramos de mimosa. É funcionária de uma empresa de ecoturismo e foi do Porto ao PNPG para participar na "guerra". "É uma forma diferente de estar em contacto com a natureza", conta. É uma "apaixonada" pelo Gerês e é também por isso que lhe "dói a alma" ao olhar em volta, apercebendo-se das consequências dos incêndios de Verão.
"Se não for com a nossa ajuda, o parque pouco poderá fazer. O Estado dá poucos meios à protecção da natureza", critica. Por isso participa sempre que possível em iniciativas semelhantes. Há um ano, o mesmo grupo organizou uma campanha de reflorestação do PNPG e ela lá esteve. Há dois, dezenas de pessoas estiveram a apanhar lixo em algumas das zonas mais populares da área protegida, noutra iniciativa do blogue Carris.
O grupo de escuteiro que arrancou a mimosa com mais de um metro veio de Nogueira, no concelho de Braga. "Gostamos de acampar e preocupa-nos que esta praga venha a destruir o Gerês", explica João Ferreira, estudante, de 18 anos. "Viemos para apoiar o parque. Afinal, vimos cá tantas vezes", acrescenta Tiago Monteiro, um ano mais velho e com o braço direito engessado. "Só posso arrancar mimosas com uma mão, mas sempre ajudo um bocadinho", explica de sorriso aberto.
Parque dá formação
As mimosas chegaram ao Gerês no século XIX, pela mão dos serviços florestais que apostaram naquela espécie, durante várias campanhas de reflorestação. Tal como os eucaliptos, são originárias da Austrália. E como os primeiros são prejudiciais às plantas locais. Mas crescem até mais depressa do que aquele género de árvore, podendo manter-se "adormecidas" durante décadas.O combate às mimosas centrou-se, no fim-de-semana, em Lamas, Terras de Bouro, e na zona do Vidoeiro, nas Caldas do Gerês. Em Junho, haverá novo apelo ao voluntariado. "Este foi apenas o primeiro passo de uma guerra que vai durar muitos anos", avança Rui Barbosa.
A iniciativa de combate às mimosas contou com o apoio da direcção do PNPG e o acompanhamento de vigilantes da natureza, de forma a prevenir que algum erro levasse à destruição de espécies autóctones. Para evitar esses problemas, os voluntários receberam uma formação prévia, durante a manhã.
"Acho que se deve fazer alguma coisa e temos algumas iniciativas em curso", assume o director da Peneda-Gerês, Lagido Domingues. No entanto, o responsável prefere manter algumas cautelas quanto à questão, preferindo não adiantar objectivos da campanha de combate às mimosas que arrancará em breve. "Já houve tempos em que se deu grande relevo a este tipo de iniciativas sem grandes efeitos práticos. O mais importante é perceber a vastidão do problema que existe", justifica Domingues. Por isso, para o director do PNPG é preferível "falar da realidade do que anunciar sonhos".
Para os próximos meses, o parque nacional prepara um conjunto de acções com o objectivo de reduzir a mancha amarela na área protegida, concentrando esforços por afastar as mimosas das proximidades da mata da Albergaria, um dos ex libris da Peneda-Gerês, adianta Lagido Domingues.
Fonte: Jornal Público, em 2-03-2011
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