quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Luzia Ferreira Teixeira, pintora de Saim: “O Gerês é uma das minhas fontes de inspiração”

Publicamos a entrevista feita por José Guimarães Antunes à artista terrabourense, Luzia Ferreira Teixeira. Lembramos que amanhã, dia do Município, será inaugurada no Centro de Animação Termal do Gerês a exposição desta pintora, intitulada “Paradoxos…Senda da Luz”.
Eis a entrevista:
Luzia Ferreira Teixeira, “Lucy Bream”, nasceu em 1965 em Saim, freguesia de Chorense, numa altura em que não havia luz eléctrica e estrada. Saim era um lugar isolado e humilde. Todas os seus habitantes para se deslocarem a Chorense ou à vila faziam-no por maus caminhos e a pé.
Luzia, a mais nova de seis irmãos, nasceu muito frágil o que obrigou a cuidados intensivos em Vieira do Minho e em Guimarães. Aos cinco anos, já restabelecida e afeiçoada à “família adoptiva”, o seu pai permitiu que ficasse mais algum tempo em Guimarães. Como este veio a falecer, acabou por ficar definitivamente na “Cidade Berço”, onde reside actualmente.

Desde tenra idade que Luzia despertou para as artes. No ensino primário, revela já o gosto pelas palavras e o encanto pelas cores.
Aos 14 anos, na Escola de Belas Artes Santiago, na Árvore - Escola Artística e Profissional, Lucy Bream começou a dominar as técnicas, os materiais e a enfrentar os críticos.
Esta talentosa artista plástica terrabourense foi crescendo e a sua obra também. A prová-lo estão as dezenas de exposições individuais e colectivas realizadas, na última década, em território nacional e no estrangeiro, nomeadamente no Luxemburgo, França e Itália.
Em 2008, expõe em St. Arnolt en Yvelines em França e jamais esquecerá a emoção quando leu numa placa Terras de Bouro. “Foi como um bálsamo para a alma”, sendo esta a exposição que mais a marcou. “Foi um evento que eu considerei um passo de dois mil quilómetros”.
Para Luzia Ferreira Teixeira, com o nome artístico de solteira Lucy Bream, tudo lhe serve de motivo para uma observação atenta e pormenorizada. No seu dia a dia, depara-se com quadros únicos que a convidam a fazer uma pausa e a contemplar o belo. Prefere os percursos calmos e serenos. Confessa-se à reportagem do jornal “Geresão” uma amante do Gerês e de Terras de Bouro, principalmente das paisagens naturais que lhe servem de inspiração para muitas das suas criações.
Com residência e ateliê em Guimarães, Lucy Bream que se orgulha de ser terrabourense, utiliza materiais com técnicas de artes plásticas, num estilo muito próprio, na pintura, na escultura, em ilustrações e nas artes decorativas. Geresão: Terras de Bouro foi a terra que a viu nascer, conservando aqui fortes raízes. Fale-nos de que forma vai mantendo as suas raízes.
Lucy Bream: Sempre me encantei por este “paraíso” e tenho um enorme orgulho em ser terrabourense, mesmo sendo um concelho pequenino. Não foi muito fácil manter os laços e visitar o meu lar assiduamente porque depois dos meus irmãos casarem e saírem da terra a minha mãe também acabou por partir e vive, actualmente, em Vila Verde. Do património da minha família pouco conhecia, nem sabia o que existia, mas queria ter aqui “um pedaço de terra”. Assim, de 1993 a 1997, fui adquirindo terrenos perto do lugar de Saim para os quais tenho, num futuro próximo, planos. Também tudo aquilo que vier a herdar da família, pretendo conservar.
Sempre que me é possível, visito os familiares que residem em Saim e em Chorense, com quem vou mantendo um grande afecto, comparecendo a eventos familiares e sociais do concelho.
Em 2003, solicitei à Autarquia que me disponibilizasse um espaço para a realização de um evento, que só veio a ser facultado em Julho de 2006, no Centro de Animação Termal do Gerês. Como queria apresentar temas do nosso concelho, precisei de fazer um estudo detalhado sobre o nosso povo, as suas origens, os usos e costumes. Surgiu, então, a coleção de pintura e escultura “Gerês – Terras de Bouro, Paraíso Minhoto”, que esteve patente ao público até final do ano de 2006, no Hotel Universal no Gerês. Posteriormente, em 2007, esta exposição esteve patente no Centro Cívico de Paços de Ferreira, em Guimarães e em Lisboa, divulgando a nossa terra juntamente com as brochuras e os livros que a Autarquia me facultou.
Em 2008 e 2009, a convite do Município de Terras de Bouro, participei, no âmbito da geminação, com obras da mesma coleção em exposições coletivas no salão Colombier em St. Arnoult en Yvelines em França. Lá, deixei três obras que estão expostas nos paços desse município francês. Também elaborei um “Brasão da Geminação” com três exemplares, para os dois municípios. Apesar de residir em Guimarães, tenho feito parte das famílias de acolhimento desta geminação.
Finalmente, para melhor “descobrir Terras de Bouro”, sempre que possível, participo em atividades e eventos socioculturais do concelho.
Geresão: É uma amante da natureza. De que forma o Gerês e Terras de Bouro têm inspirado a sua criação artística?
Lucy Bream: Onde quer que eu esteja encanto-me com o meio envolvente, desde que este seja genuíno, enigmático, sublime e natural. O Gerês e Terras de Bouro são uma das minhas grandes fontes de inspiração. É algo que não tem descrição, mas apenas pode ser sentido por quem o viva. É como uma necessidade de regressar às origens, de ir beber água à “fonte”, renovar-me com o ar da serra, perder-me no tempo e saborear ao pormenor cada detalhe.Geresão: A sua pintura pode ser feita em óleo, óleo pastel, acrílico, guache, aguarela e outros materiais, (sobre tela, cartão, MDF e outros suportes). Qual é o tipo de pintura e o suporte que mais prefere?
Lucy Bream: Sem dúvida que prefiro o clássico artístico: óleo sobre tela, óleo pastel ou aguarela sobre cartão. Mas, a polivalência e a inovação, também são muito importantes.
Geresão: Pinta, faz escultura e decoração. Qual destas formas de representação prefere?
Lucy Bream: Se posso sonhar, logo posso representar através das cores e das palavras, deixando-me envolver inconscientemente na capacidade transcendente e comunicativa do sonho. Só desta forma consigo ultrapassar a perceção tradicional da realidade obtendo significados inesperados. Por isso, todas estas formas de representação são importantes.
Geresão: Como define a sua criação e a sua obra?
Lucy Bream: Não sou seguidora de nenhuma corrente artística, apesar de ter tendências surrealistas. No entanto, reconheço-me em Salvador Dali e Max Ernst, pela tendência em agrupar objectos reais ou imaginários, usando técnicas e materiais de uma forma mesmo ilógica, contrariando muitas das teorias clássicas.
A minha criação tem um estilo próprio com o qual me identifico e, por isso, posso representar imagens naturais com realismo, em estilo figurativo, abstraccionismo ou abstracção geométrica. Crio em qualquer estilo ou técnica com a mesma satisfação. Nunca me preocupo muito se os críticos vão ou não reconhecer um estilo em determinada obra. O importante é o propósito, a realização pessoal, a minha satisfação e a satisfação daqueles que apreciam o meu trabalho.
Geresão: Afirmou, na sua última exposição, que «Paradoxos… Senda da Luz» - “É uma exposição voltada para a criança que existe dentro de nós”. Com esta afirmação pretende dizer que nesta exposição privilegia, nomeadamente a descoberta, a simplicidade, a curiosidade tão próprias da criança?
Lucy Bream: Pretendo conduzir o observador a deixar libertar a criança que existe dentro de si, pela admiração e expansão de uma paz interior, num ambiente tanto de muito boa luz como em total escuridão. Vivenciar isto é algo que só é capaz quem interiorizar um espírito próprio de uma criança.Geresão: Nesta sua última exposição realizada em Guimarães, os presidentes das entidades acolhedoras discursaram com a luz apagada, para que se pudesse observar “uma exposição de pintura na escuridão”. Explique-nos de que forma é possível observar pintura na escuridão.
Lucy Bream: Inicialmente, experimentei esta técnica inédita, contrariando todos os conceitos clássicos, na obra «Enigma Nocturno» que expus em 2006, no Hotel Universal no Gerês, seguida de outras exposições, até mesmo em França.
Na inauguração da minha última exposição, revelei a técnica e o “enigma”. Senti que maravilhei os presentes e constatei que quem assiste e observa este resultado fica fascinado, principalmente pela ideia de observar uma pintura em total escuridão.
Naturalmente que pretendo lançar esse desafio na inauguração oficial prevista para este mês, no Auditório do Centro de Animação Termal, e em qualquer outro espaço onde posteriormente vá expor, desde que as instalações e o ambiente mo permitam.
Geresão: Expõe, desde 2007, na Galeria das Juntas de Freguesia da Cidade de Guimarães (S. Paio, S. Sebastião e Oliveira do Castelo) sendo a única artista com convite para uma exposição efectiva anual, como agradecimento pelos trabalhos sociais prestados à comunidade. Que trabalhos tem prestado à comunidade?
Lucy Bream: Tenho apoiado trabalhos sociais da comunidade dos quais destaco o apoio ao associativismo sem fins lucrativos e ao voluntariado e, ainda, as acções pontuais na angariação de fundos para instituições sociais. No entanto, gosto de participar principalmente em tudo aquilo que permite fazer sorrir e dê alegria ao rosto de uma criança.Geresão: Uma das suas últimas criações é uma tela - ilustração para a capa de um livro da sua autoria, um conto infantil e poético. Fale-nos um pouco sobre este seu projecto.
Lucy Bream: Dediquei o conto «Ondina e Olimar» ao meu pai, António Ferreira, pelo centenário do seu nascimento. Este projecto é um conto infantil poético personificado com seres protectores da Natureza. Ondina é um ser lendário. Olimar é um ser extraterrestre que, do seu pequeno planeta, vê a Terra como um lugar maravilhoso e ideal para se viver.
Para a ilustração, escolhi dois colaboradores, o Axel, de treze anos – de St. Arnoult en Yvelines, e a Raquel, de quinze anos, que além de fazerem parte do público a quem me dirijo têm grande potencial artístico. Estamos os três a trabalhar nas ilustrações deste projecto. Tenciono dobrá-lo em francês para que possa ser publicado em França.
Geresão: Quando a conotação extrapola o senso comum, ou seja a lógica, estamos perante um paradoxo. De que forma as suas telas harmonizam paradoxos?
Lucy Bream: Nas obras que seleccionei para esta exposição, de um modo ou de outro verificam-se “paradoxos”. Numa delas, por exemplo, observamos uma cabana na floresta, num prado com cavalos, que em determinadas condições e em simultâneo, é o luar sobre um rio assombrado. No entanto o tema é "Serra, minha mulher" e representa «Um amor e uma cabana - garranos no Gerês.».
“Senda da Luz” não é somente “caminho da luz”. Nem mesmo pelo facto da observação das obras ser possível tanto na claridade como na escuridão. Uma obra é como um livro, onde qual cada qual poderá ler aquilo que bem entender.Geresão: Os artistas em Portugal são reconhecidos e acarinhados? E em Guimarães?
Lucy Bream: O artista vale por aquilo que que é. Ser artista em Portugal, seja qual for a área, é um desafio e uma luta constante. Em Guimarães, que se está a preparar para ser em 2012 a Capital Europeia da Cultura, divulga-se e apoia-se a cultura importada. Pouco se reconhece e não se valorizam os artistas da terra, embora estes tenham qualidade e sejam bastante acarinhados pelo público.
Geresão: Das vezes que esteve em Terras de Bouro, nomeadamente no Centro de Animação Termal do Gerês e na Feira Mostra (em 2010) o que sentiu?
Lucy Bream: Senti-me em casa entre conterrâneos e familiares. No entanto, quando estive em 2006 no Centro de Animação Termal, não fui tão acarinhada, nem me senti tão cativada como na Feira Mostra de 2010. Reconheço que em 2010 a minha obra estava mais divulgada, pois já tinha feito um percurso considerável no concelho.
Geresão: Considera-se uma mulher perseverante que luta e trabalha para vencer e para ajudar os outros?
Lucy Bream: Sim, considero-me uma mulher celta-buriense, muito persistente, que luta e trabalha para sobreviver, vencer e, dentro do possível, para ajudar os outros.
Geresão: Terras de Bouro é um concelho que está em desertificação. Que palavras de esperança deixa aos terrabourenses, nomeadamente aos jovens?
Lucy Bream: É importante preservar as nossas origens. Se não formos nós a gostar da nossa terra, quem gostará?
Se a terra onde nascemos ou vivemos não tem a qualidade de vida que aspiramos, está nas mãos de cada um de nós torná-la melhor.
Fonte: Geresão, em 19-10-2011

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