A região do Vale do Homem tem sido das mais afetadas, já que, por norma, é uma das regiões do país que maiores níveis de pluviosidade apresenta ao longo do ano. A regra foi quebrada este ano, uma vez que, ao contrário do que aconteceu com outras regiões do país, nem os últimos dias trouxeram a humidade suficiente aos solos para salvar a produção agrícola de este ano, claramente afetada por efeitos “irreversíveis”.
A alimentação do gado saiu fortemente penalizada e viu os seus custos atingirem valores preocupantes para os produtores da região. Por outro lado, as fruteiras e a agricultura de auto subsistência foram seriamente comprometidas por um início de ano que transformou alguns solos em pó.
Daí um conjunto de medidas imediatas que foram tomadas pelo Governo para ajudar os agricultores, como a criação de uma linha de crédito de 50 milhões de euros, a que se juntam outras, como redução das prestações à Segurança Social, isenção de pagamento da taxa de recursos hídricos, reembolso do IVA antecipado, regularização imediata dos apoios na área energética, adiamento dos pagamentos por conta ao Estado. São medidas para promover maior liquidez financeira aos agricultores e amenizar os efeitos da seca. Há já falta de água em muitas localidades, o que é particularmente grave nesta altura.
Paralelamente, foi também inevitável uma ‘antecipação’ clara da época de incêndios na região. Se, no mês de fevereiro, foi o concelho de Vila Verde o mais assolado em matéria de incêndios florestais, o mês de março foi particularmente gravoso para os concelhos Terras de Bouro e Amares.
A seca prolongada produziu efeitos nefastos essencialmente nas culturas semeadas no inverno, que acabaram por não crescer. “Estamos a falar de aveias, centeios ou azevéns, muito cultivadas para alimentação dos animais e para o pastoreio”, concretizam os responsáveis da Caviver – cooperativa de agricultores de Vila Verde.
“O que acontece é que não germinaram sequer ou, nos melhores dos casos, estão muito pequenas ainda. Com isto acaba por escassear a alimentação para o gado e os produtores agrícolas têm que recorrer às reservas que, por norma, só seriam utilizadas mais para o final do verão”, explicou Catarina Ferreira, da Caviver.
Por outro lado, esta seca prolongada tem-se feito sentir “nos aumentos dos preços dos fenos e palhas, devido à sua escassez cá no país”. “Quem vende está atento a estes problemas e isso já se fez sentir nos preços”, sublinha.
“Também as fruteiras e vinhos têm vindo a ser afetados”, considera esta responsável da Caviver que aponta para um “atraso” na sua maturação e crescimento e que, como tal, poderá trazer alterações no resultado final desejado. Contudo, estas são culturas ainda estão “muito no início”, pelo que o ideal será aguardar mais umas semanas para tirar conclusões mais precisas.
As chuvas que se fizeram sentir nos últimos dias foram claramente insuficientes. No entanto, espera-se que as que possam vir nas próximas semanas “não sejam muito intensas”. “Maiores níveis de precipitação serão sempre bem vindos, porém não deverão as chuvas ser muito intensas, porque os solos estão muito secos e impermeáveis. Além disso, se com a chuva se assistir a uma descida da temperatura isso poderá afetar as produções”, defende a representante da Caviver.
“Não me recordo de um ano assim”, garante Catarina Ferreira que espera que se confirmem as indicações que apontam para a aprovação, por parte do governo central, de um pacote de medidas que apoio ao setor da agricultura. A isenção dos pagamentos dos agricultores à segurança social, por seis meses, é uma das possibilidades estudadas pelos técnicos do Ministério da Agricultura, que têm estado no terreno.
“Danos irreversíveis”
Ao que tudo indica, a grande consequência desta seca prolongada foi o claro aumento dos custos para os agricultores da região. De acordo com João Costa, presidente da COPACA, “em termos de forragens, estes meses já resultaram num elevado aumento dos custos para os produtores agrícolas. “A seca trouxe graves problemas para os agricultores porque os obrigou a despesas acrescidas para comprarem ervas, fenos e milhos para alimentarem os animais, uma vez que o que plantaram não cresceu como devia”, refere o resposánvel da Cooperativa de Agricultores de Amares.
Segundo o também presidente da Junta de Freguesia de Carrazedo, “estes efeitos prejudiciais poder-se-ão sentir ao longo de um ano, uma vez que a colheita afetada diz respeito a toda a alimentação do gado por esse período”.
Esta realidade foi, de certa forma, “esperada”, já que as previsões feitas em dezembro passado apontavam para “um ano de muita seca”. Apesar dessas previsões, sublinha João Costa, “toda a chuva que possa vir, será bem vinda”. Contudo, a água que possa cair, suspeita o responsável da COPACA, “já não irá impedir os grandes problemas nem repor grande coisa”, uma vez que “os lençóis freáticos foram severamente afetados”. “São danos irreversíveis”, entende João Costa, apontando para um “ano seco”.
Afirmando que não tem memória de um ano em que “as poças estivessem secas em abril”, este produtor agrícola considera que “as fruteiras também não irão crescer convenientemente”. “Mesmo para o auto sustento irá ser muito complicado”, adivinha o responsável.
Se a criação de gado saiu claramente afetada e as fruteiras da região sofreram em demasia com esta seca prolongada que trouxe um primeiro trimestre de 2012 quase sem precipitação, o setor vinícola ainda poderá salvar-se se as próximas semanas trouxerem a tão aguardada chuva. A crença é de Carlos Portela, produtor vinícola de Amares que comercializa o vinho ‘Encostas d’Abadia’.
No entender deste amarense, esta seca “trouxe essencialmente custos acrescidos para os produtores de vinho, uma vez que os obrigou a regar as videiras”. “Não é normal, nesta região do vinho verde, as pessoas terem que regar as vinhas”, explicou o responsável do ‘Encostas d’Abadia’ ressalvando, porém, que “ao nível da produção poderá ainda ser um ano tão bom como os anteriores”. “Vamos a ver o que acontece, mas pode ser que não sejamos afetados nesse aspeto particular, desde que o tempo comece a estabilizar”, entender Carlos Portela.
De acordo com o produtor vinícola, a chuva que se deseja para as próximas semanas “poderá ser benéfica, senão trouxer granizo ou geadas, ou seja, desde que se verifiquem níveis de precipitação moderados”. Além disso, “se chover no final do verão, já será prejudicial para o setor, uma vez que poderá apodrecer o vinho”.
Gerês com seca extrema
Também em Terras de Bouro e no Parque Nacional da Peneda Gerês os sinais da seca extrema são claros e obrigam a comportamentos pouco habituais. Ainda há dias, um grupo de voluntários que se preparava para proceder a uma ação de reflorestação da Serra Amarela teve que mudar de estratégia quando confrontados com a realidade de uma seca severa que afetava aquela zona.
Assim, os responsáveis pela iniciativa resolveram deslocalizar a ação e procederam à plantação de 15 mil bolas de sementes numa zona situada entre Cabril e a Bouça da Mó.
“O que se passa na Serra Amarela é uma consequência de uma falta de pluviosidade constante”, lembra Teresa Markowsky, referindo que “com a enorme seca e erosão dos solos, as bolas de semente nem sequer iriam germinar”. “Não adiantaria de nada plantá-las na zona inicialmente prevista, porque simplesmente não iriam pegar”, sublinhou a responsável.
Terrenos “em pó” afetam agricultura de subsistência
Nalgumas freguesias do norte do concelho vilaverdense vão surgindo sinais claros dos efeitos negativos desta seca prolongada. Não que o abastecimento de água pública às habitações esteja, para já, em causa, mas antes porque as famílias não conseguem regar os seus cultivos de subsistência.
Segundo António Cerqueira, presidente da Junta de Freguesia de Barros, o “abastecimento de água ao domicílio não tem conhecido problemas, mas o mesmo não se pode dizer em relação ao regadio”. “As pessoas não têm regado os campos como normalmente faziam. Não há água. Plantaram as batatas e têm como as regar”, afirma o autarca local, interrogando-se acerca dos efeitos que esta seca traria “se houvesse gado como antigamente”. “Provavelmente, seria uma calamidade”, suspeita António Cerqueira.
O milho que se semeia em abril, defende o autarca, “este ano não poderá ser semeado, porque a terra está em pó”. “O que vale é que já não há gado como havia antigamente, senão seria um desastre”, adivinha o presidente da Junta de Freguesia de Barros, lembrando que muitos “não conseguem juntar comida suficiente para uma vaca, quanto mais para meia dúzia, como acontecia antigamente”. “Se a agricultura já está difícil, assim fica mais complicada a sua prática”, lamenta.
Pacote de ajuda poderá não evitar subida dos preços dos bens alimentares
O Governo central já aprovou, entretanto, um pacote de medidas de apoio aos agricultores, num investimento que deverá rondar os 40 milhões de euros. Os agricultores vão ter, por exemplo, uma redução de seis meses nos pagamentos à Segurança Social.
Segundo a ministra da agricultura, Assunção Cristas, a redução temporária de pagamentos de contribuições à Segurança Social está inscrita no Orçamento Retificativo, sob o registo de seis milhões de euros.
Dos cofres do Estado vão sair, no âmbito das iniciativas motivadas pela seca, 40 milhões de euros, referiu a ministra, destacando que a medida mais “onerosa” será a da ajuda direta aos produtores de animais, num total de 20 milhões de euros.
Contudo, a ministra admite que a seca possa levar a que o preço final de alguns produtos alimentares aumente para o consumidor, tendo em conta a subida dos custos de produção que os agricultores estão a enfrentar.
Valores da seca no território nacional
Portugal encontra-se numa grave situação de seca. É uma das maiores secas do último século, segundo dados do Instituto de Meteorologia. Problema afeta de modo particular o Minho, de culturas mais adaptadas ao seu clima de maior humidade. Segundo os últimos dados do Instituto de Meteorologia, 57% do território nacional está em seca extrema; 41% do território está em seca severa; 2% do território está em seca moderada - o que cobre a totalidade do território nacional. É um problema com consequências devastadoras na agricultura, com os efeitos a sentirem-se de modo mais imediato ao nível da pecuária.
Fonte: Terras do Homem, em 12-04-2012
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