quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Entrevista ao presidente da Associação de Treinadores de Futebol do Vale do Homem

“O futebol de formação não deve ser olhado como o futebol sénior em miniatura”
Com cerca de seis meses de existência, a Associação de Treinadores de Futebol do Vale do Homem tem-se afirmado como um elemento aglomerador dos interesses destes agentes amadores do futebol regional. A caminho dos 50 treinadores associados, esta instituição tem promovido uma série de debates e reflexões sobre os vícios e as oportunidades do futebol na região.
Para o futuro próximo, um dos projetos em cima da mesa passa pela realização de ações de formação ao nível do Grau I e Grau II de treinador, que vai possibilitar aos amantes de futebol da região o acesso a conteúdos e conhecimentos iguais aos dados nos cursos de treinador do IDP.
Em entrevista ao Terras do Homem, o presidente da ATFVH, José Maia, traça um balanço destes primeiros seis meses e perspetiva o futuro da Associação.
José Pedro Maia Pereira nasceu em 1978 na freguesia de Goães, Amares.Cedo despoletou para o desporto, particularmente para o futebol, com um percurso de formação que passou pelas escolas do SC Braga, continuando depois, já como sénior, no Montalegre e, finalmente, acabou precocemente a sua curta carreira, no clube do seu coração, onde atualmente exerce as funções de treinador do escalão de Sub/19, o FC Amares.
Terras do Homem: Como idealizou o projeto que levou à criação da ATFVH e o que transporta através dele?
José Maia: Desde a minha infância, o futebol sempre teve um significado de extremo destaque. Não posso esconder que é uma das minhas grandes paixões. Infelizmente, por motivos de lesões reincidentes, vi-me obrigado a abandonar a carreira de futebolista precocemente. Contudo o futebol é um mundo onde podemos assumir outros papéis, e dar continuidade a essa paixão.
TH: Ser treinador não era suficiente? Porquê abraçar ainda este projeto?
JM: A classe de treinador amador em Portugal é completamente desconsiderada pelas entidades responsáveis. No passado fazia-se o curso, mediante o pagamento de quantias avultadas e a partir desse momento terminava-se a formação, portanto não existia formação continua. Mais recentemente, as competências de lecionar cursos de treinador passaram para o Instituto Português do Desporto, o qual idealizou um projeto, a meu ver inexequível e com custos incomportáveis pelo cidadão que irá desenvolver a atividade de treinador de futebol amador.
Em diversos momentos senti que estou sozinho no meu crescimento individual como treinador e sozinho facilmente sou derrubado e dificilmente posso crescer. Por isso entendi juntar um grupo de pessoas com as mesmas ideologias, que possuíssem grande paixão pela área e, através da partilha de conhecimento e do associativismo, pudéssemos ser mais fortes na atividade que desenvolvemos. Assim surgiu a ATFVH.
TH: Ao fim de meio ano de trabalho, a Associação vai denotando uma dinâmica interessante. Como conseguem manter-se tão ativos?
JM: Deve-se fundamentalmente à qualidade da equipa que me acompanha, pois todos são jovens que têm ambições e têm o direito de sonhar alto, portanto neste projeto vêm uma excelente possibilidade de exponenciar as suas capacidades e divulgar a sua existência. Quanto mais fizermos pelos outros, certamente mais dividendos individuais retiraremos deste projeto.
TH: Como estão os treinadores da região a acolher este projeto?
JM: Creio que dificilmente poderia estar a correr melhor. Estipulei que, até ao final do ano de 2012, a ATFVH deveria atingir os 50 sócios e, até ao momento, já temos 46. Por isso, não poderia estar mais satisfeito.
TH: Que projetos futuros pretendem colocar no terreno?
JM: Essencialmente, creio que o futuro tende a ser melhor. O mais difícil foi criar, idealizar e cimentar a ATFVH, agora é dar continuidade com novos projetos, tentando sempre aumentar o número de associados, pois são eles que aumentam o nosso poder e responsabilidade. Temos aí a chegar um projeto inédito que é o projeto de Ações de Formação ao nível do Grau I e Grau II de treinador, que vai possibilitar aos cidadãos da região e de fora o acesso a conteúdos e conhecimentos iguais aos dados nos cursos de treinador do IDP.
"Há valores, entranhados nos agentes desportivos da nossa região, que são desonestos e desajustados para com as crianças e os jovens"
TH: Uma das vossas fortes apostas passa pela realização de debates e seminários reflexivos sobre os problemas do futebol regional. Porquê essa luta?
JM: Disse muito bem, essa “luta”, porque efetivamente há valores que estão entranhados nos agentes desportivos da nossa região, designadamente dirigentes e treinadores, que considero desonestos e desajustados para com as crianças e os jovens. Não falo de cor, não especulo absolutamente nada e não tenho medo de o afirmar. Tenho uma paixão particular pela área da formação de jovens jogadores e, a partir deste princípio, não admito a ignorância e o desrespeito no treino com estes seres em particular crescimento físico, psicológico e social.
TH: Em que se fundamenta essa análise?
JM: Nos últimos três anos tenho estado no terreno, na qualidade de treinador de jovens, e naturalmente que vou vivenciando pensamentos, ideologias e metodologias. Após uma séria análise, o testemunho recai sobre uma classe de dirigentes desportivos e cidadãos que se dedicam à atividade de treinadores de futebol, para os quais o futebol jovem é como o futebol sénior em miniatura. Muitos, no seu vocabulário, ainda tentam dizer o contrário, contudo na prática é o resultado desportivo que mede tudo, competências capacidades e muito mais. Faz-se formação, pelo nome formação, mas procuram-se apoios financeiros através da formação e vive-se da formação e não para a formação. Os treinadores da formação aclamam o seu êxito pelos resultados desportivos imediatos, porque muitas das vezes até são pressionados por que os escolheu e os dirige. À volta destas crenças está a criança e o jovem que se vê sob especialização precoce, a ultrapassar etapas de crescimento e de aprendizagem e a não chegar suficientemente bem preparado ao futebol sénior. Acredito no lema “perder hoje para ganhar amanhã”. Fundamento tudo isto em estudos que fiz no terreno e que inclusive já foram divulgados e fundamento nas minhas vivências do dia a dia.
TH: É facilmente aceite essa maneira de pensar?
JM: Respondo-lhe a essa pergunta com um episódio factual. Na época passada, travei inúmeras trocas de argumentos com o presidente do FC Amares e o Chefe do Departamento do Futebol Jovem desse mesmo clube.
Fiel à minha filosofia, por diversos fatores, a minha equipa perdeu mais jogos do que o esperado e descemos de divisão. No entanto, mesmo antes de acabar a época desportiva, já era a escolha n.º 1 para treinador dos juniores, para a presente época e, hoje, tenho uma relação excelente com estes senhores que muito respeito e estimo.
TH: Acha que se conseguirá mudar mentalidades numa região como o Vale do Homem?
JM: Sozinho é mais difícil, mas não é impossível, contudo apelo a todos os jovens que se dedicam à área de treinador de futebol que reflitam se, por um resultado e uma satisfação momentânea, vale a pena por o crescimento gradual e saudável de uma criança ou jovem.
Vilaverdense: "tem formação em bom patamar" ... e "plantel de gentes das mais diversas partes do globo"
TH: O futebol distrital não está, então, no bom caminho?
JM: Não temo dizer que, de facto, está num caminho menos bom. A conjuntura económica e social é muito negativa e o futebol está a ressentir-se de tudo isso. As instituições legalmente responsáveis pela formação de treinadores estão inertes e despreocupadas com o que fazem os treinadores nas suas metodologias, os dirigentes desportivos não tiram o capote para uma realidade, de aposta honesta e não demagógica na formação, os agentes desportivos não aceitam que o caminho tem de ser outro, descurando os resultados de hoje para colher amanhã. Vejamos o caso do Vilaverdense. Estará no caminho certo, realista e sustentável ou será mais um episódio feliz que tem fim por um dia destes? Têm formação em bom patamar mas possuem um plantel de gentes das mais diversas partes do globo e os jovens da terra não têm a sua oportunidade. Então afinal o que é isto? Qual o papel da formação neste projeto? Infelizmente vemos isto por muitos locais em Portugal.
Fonte: Terras do Homem, em 25-10-2012

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