Uma espécie de crónica
Desta vez queria escrever um texto fantástico. Como que uma espécie de crónica, onde nela desenvolvesse uma ideia genial e aí soltasse todas as melhores palavras e com elas prendesse à leitura até o mais desprendido destas coisas da escrita. Desta vez queria escrever algo mesmo soberbo!
Bem, mas não o conseguirei, claro. Que raio de mania tenho de me iludir com feitos inatingíveis! Que apetência tenho para me deixar perder em delírios do espírito, emoldurados de ambição desmedida!...
Desta vez queria escrever algo à maneira e obrigam-me os olhos a fixar-me em seis colunas de cimento armado, que sustentam um edifício com algumas janelas e sem varandas nenhuma.
Mas como poderei escrever alguma coisa que valha, se, para além das colunas e das paredes do edifício que aquelas suportam, só um passadiço frio tenho para procurar motivos para desenvolver num texto e nele alinhar mesmo as maiores palavras e as mais ricas figuras de estilo literário?!
Hoje, quando queria escrever o melhor recorte de palavras de sempre, tenho apenas para motivo de inspiração meia dúzia de colunas a suportar um edifício sem varandas e um passadiço, por onde se passa e cospe no chão.
Bem - passe o esquecimento - pregada na parede do edifício, fixado pelas colunas que, com o adiantado destas, formam uma espécie de arcada, existe uma caixa de levantamento automático – multibanco – onde, à míngua, se vai colhendo da parede o magro salário e reforma, a quem nem tempo lhes dão para poisarem, para algum temperamento, em depósito. E vão rindo os bolsos e vão gemendo os juros… e vão parando no passadiço, em frente à caixa aprisionada na parede do edifício com janelas mas sem varandas, aqueles que aos pouquinhos vão sacrificando o pé-de-meia, que um dia quiseram fazer crescer, acomodado e guardado na caixa-forte da sua legítima ambição, fruto do amargo trabalho de sol a sol de tantos dias!...
Queria escrever uma crónica maior e obrigam-me os olhos a colher inspiração em seis colunas, num edifício, numa arcada, num passadiço, numa caixa de levantamento automático, crucificada numa parede, onde se levanta à míngua dinheiro e se cospe no chão, enquanto se espera, como que por uma esmola da parede.
Queria escrever algo maior, soberbo, mas não é fácil, se aos meus olhos me prendo e eles me oferecem pouco… E nem em sei se, assim, conseguirei, com vontade, escrever, a sério, algum dia!
Texto do nosso “Poeta da Montanha”, publicado, em 20-04-2010, no jornal “Geresão”
Desta vez queria escrever um texto fantástico. Como que uma espécie de crónica, onde nela desenvolvesse uma ideia genial e aí soltasse todas as melhores palavras e com elas prendesse à leitura até o mais desprendido destas coisas da escrita. Desta vez queria escrever algo mesmo soberbo!
Bem, mas não o conseguirei, claro. Que raio de mania tenho de me iludir com feitos inatingíveis! Que apetência tenho para me deixar perder em delírios do espírito, emoldurados de ambição desmedida!...
Desta vez queria escrever algo à maneira e obrigam-me os olhos a fixar-me em seis colunas de cimento armado, que sustentam um edifício com algumas janelas e sem varandas nenhuma.
Mas como poderei escrever alguma coisa que valha, se, para além das colunas e das paredes do edifício que aquelas suportam, só um passadiço frio tenho para procurar motivos para desenvolver num texto e nele alinhar mesmo as maiores palavras e as mais ricas figuras de estilo literário?!
Hoje, quando queria escrever o melhor recorte de palavras de sempre, tenho apenas para motivo de inspiração meia dúzia de colunas a suportar um edifício sem varandas e um passadiço, por onde se passa e cospe no chão.
Bem - passe o esquecimento - pregada na parede do edifício, fixado pelas colunas que, com o adiantado destas, formam uma espécie de arcada, existe uma caixa de levantamento automático – multibanco – onde, à míngua, se vai colhendo da parede o magro salário e reforma, a quem nem tempo lhes dão para poisarem, para algum temperamento, em depósito. E vão rindo os bolsos e vão gemendo os juros… e vão parando no passadiço, em frente à caixa aprisionada na parede do edifício com janelas mas sem varandas, aqueles que aos pouquinhos vão sacrificando o pé-de-meia, que um dia quiseram fazer crescer, acomodado e guardado na caixa-forte da sua legítima ambição, fruto do amargo trabalho de sol a sol de tantos dias!...
Queria escrever uma crónica maior e obrigam-me os olhos a colher inspiração em seis colunas, num edifício, numa arcada, num passadiço, numa caixa de levantamento automático, crucificada numa parede, onde se levanta à míngua dinheiro e se cospe no chão, enquanto se espera, como que por uma esmola da parede.
Queria escrever algo maior, soberbo, mas não é fácil, se aos meus olhos me prendo e eles me oferecem pouco… E nem em sei se, assim, conseguirei, com vontade, escrever, a sério, algum dia!
Texto do nosso “Poeta da Montanha”, publicado, em 20-04-2010, no jornal “Geresão”
1 comentário:
"Queria escrever algo maior, soberbo, mas não é fácil, se aos meus olhos me prendo e eles me oferecem pouco… E nem em sei se, assim, conseguirei, com vontade, escrever, a sério, algum dia!"
Me faltarão palavras para comentar o texto de um grande poeta... Que tive o prazer de compartilhar umas pequenas palavras...
Intenso como toda força da poesia...
Marcia Grossi
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