quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Escultor Dario Boaventura

Dario nasceu no Porto em 1923, ao décimo quinto dia do mês.
Completará, em breve, noventa anos.
Entre esse dia e a atualidade Dario teve um percurso rico de experiências, uma vida preenchida, família grande (mais quatro irmãos e uma irmã), pai afetuoso e mãe que ultrapassava tudo o que é conhecido em termos de bondade.
Tanto é que o marido dela lhe dizia com frequência que a bondade em excesso é um grave defeito.
O seu avô, Casimiro António de Oliveira, nasceu na Casa do Mercador, em Azevedo, que depois passou a ser conhecida por casa de Azevedo. Casou-se com Francisca de Paula Antunes, foram viver para a Casa do rego em Caniçada e dessa união nasceram as tias e a mãe de Dario, Maria Amélia.
Renato Boaventura surgiu na sua vida e tiveram seis filhos. Porque era Oficial do Exército, responsável pela Secção de Cartografia, teve necessidade de se deslocar por todo o País, com permanências mais ou menos longas.
Mas antes sofreu o desgosto do exílio forçado por ter participado na revolta de 7 de Fevereiro de 1927 contra a Ditadura Nacional.
Nesse período entre 1927 e 1932, antes de passar a fronteira pela Portela do Homem, deixou a mulher e os filhos ao cuidado do sogro, o conhecido médico Casimiro António de Oliveira, na casa do Rego, em Caniçada.
Foi esse o período em que Dario viveu a sua grande aventura da terra, dos animais, plantas e vida no campo. Tudo lhe interessava, tudo foi objeto dos seus “estudos” por vezes pouco ortodoxos. Hoje diz que os animais não têm segredos para ele. Cobras, gatos, ratos, cães, vacas e cavalos com todos eles viveu de perto, a todos respeitava e sabia que algum proveito tinha de cada um em particular.
O pai foi mais tarde amnistiado, regressou e partiram para Viana do Castelo onde as tarefas de cartografia o esperavam.
Já jovem, com o irmão mais velho, fez diversas campanhas com o pai, a transportar os aparelhos de topografia, a anotar em mapas, a desenhar as curvas de nível, a assinalar fontes, poços, riachos, casas e abrigos de pastor. Tudo era minuciosamente inscrito nesses mapas. As férias de verão eram dedicadas a longas caminhadas, a dormir em pensões, a ouvir histórias várias, a acumular conhecimentos, a ver o país de norte a sul.
Um episódio curioso aconteceu no Alentejo numa dessas estadias mais prolongada. Estavam os três instalados numa pensão onde tinham cama, roupa lavada e alimentação por completo.
A comida era boa, alguma até muito apetitosa. Chegar ao fim da tarde secos do calor, cansados das caminhadas e do peso do material, viram que havia rissóis e pediram uma dose acompanhada de bebidas frescas para abrir o apetite para o jantar.
Estaladiços, com um sabor delicioso, rapidamente desapareceram do prato.
Uns dias depois, ao chegar mais cedo, passaram próximo da cozinha e assistiram ao que nunca teriam querido ver.
O calor era demasiado, próprio do Alentejo interior. A dona da pensão, também cozinheira, estava sem blusa para tentar refrescar-se, mas também estava a fazer rissóis. A massa estendida no balcão era depois enrolada nos peitos dela, suados, e a seguir levavam o recheio.
Os três caminhantes, de secos que vinham, esfomeados e a pensar em rissóis estaladiços, quase caíram de rastos com a visão que tinham pela frente.
Ninguém se apercebeu da presença deles pelo que nunca ninguém soube porque os rissóis já não eram desejados. Pão, fatias de presunto e refrescantes passaram a ser o lanche predileto.
Deste, e outros episódios, Dario lembra-se e gosta de contar. O que ganhou para a vida, as experiências acumuladas e o convívio com pessoas diferentes em locais tão rústicos como afastados do seu habitat natural – cidades do litoral – deram-lhe uma visão do mundo muito especial.
Da sua habilidade para o desenho, dos seus conhecimentos de cartografia, veio a vontade de tirar um curso de arquitetura.
Foram três anos sem história, alguma perda de tempo, e uma reviravolta na vida, abandonando o curso e inscrevendo-se no Porto no curso de Escultura na Escola Superior de Belas Artes.
Completou o curso com a média geral de 19 valores.
Aluno excecional, obteve uma bolsa de estudo para ir para a Europa visitar museus. Recém casado, fizeram a viagem por Espanha, França e Itália. Adquiriu conhecimentos e viu ao vivo as obras de arte dos seus congéneres.
Voltou para Portugal para se dedicar o estudo de materiais, de técnicas e novos conceitos.
A Arte não lhe permitia autonomia pelo que concorreu para professor do ensino secundário, começando em Aveiro, depois Setúbal, passando pelas Caldas da Rainha e finalmente Porto.
Desde aí, depois de nascida a filha, viveu sempre no Porto, manteve um atelier na foz velha, repartia o tempo entre a escola e as suas peças, o seu forno, os seus materiais encontrados nas mais diversas origens.
Quando começou o projeto da Tele Escola, foi convidado a participar, aceitou e desenvolveu e criou muitos dos filmes que eram passadas nessas aulas. Com recurso a muitos meios áudio visuais da RTP do Monte da Virgem foi experimentando e colaborando com outros professores para tornar mais apelativas as aulas. A sua passagem pela Tele Escola foi um êxito, uma lembrança para muitos e uma memória amarga que lhe ficou. Por razões de orçamento, de escolhas da direção e tentativas de o afastar para dar o lugar a outros, ele mesmo demitiu-se regressando à sua escola de origem, a Escola Artística Soares dos Reis no Porto.
Entre muitos, conheceu dois escultores que com ele partilharam o atelier da foz. Xavier Costa, Açoriano de São Miguel e Mário Truta, de Aveiro.
Eram tão diferentes quanto unidos. Respeitavam o espaço de cada um, repartiam despesas e materiais, completavam-se e evoluíram juntos.
Dario participou em várias exposições coletivas e individuais, tem peças suas em museus nacionais, em coleções particulares e em edifícios públicos.
A sua predileção nunca foi para expor, o que criava era de tal forma intimo que raramente queria separar-se das suas peças.
Essa intimidade vinha do seu prazer em criar e ter à sua frente, no dia a dia, sem constrangimentos, sem restrições.
Quando deixava que uma peça fosse dada ou vendida tinha o cuidado de ser ele a embalar, com mil cuidados, com, quase diria, “carinho de pai”.
Para uma exposição na Casa da Cultura das Caldas da Rainha, a quantidade de peças a expor era significativa e a distância impunha embalagens com segurança redobrada.
Quando soube a data, com muita antecedência, começou a embalar todas as peças, muitas delas em caixas de madeira que ele próprio construiu, outras em caixas de cartão compradas, usando material de embalagem, plástico de bolhas, esferovite e outros produtos, em tal quantidade que uma caixa tinha, seguramente, mais materiais desses do que peças.
Não houve um risco, uma ranhura, qualquer peça partida nessa viagem de camioneta que ele fez questão de acompanhar como passageiro.
O processo inverso, o regresso à origem, ao seu atelier, teve igual tratamento.
É nesta relação íntima do criador com as suas criações que Dario Boaventura sempre viveu.
Hoje as suas obras já são mais conhecidas, mas ainda agora, debilitado como está, de idade avançada e saúde precária, está sempre atento ao desenrolar de todo o processo de transporte das peças para as exposições aqui no Concelho de Vieira do Minho.
Faz perguntas, quer saber que materiais foram usados, que tipo de transporte, que cuidados estão a ser tomados, se há seguro, se há vigilância, não com uma atitude desconfiada mas de preocupação que os seus “meninos” e “meninas”, os seus painéis, pratos, esculturas estejam sempre protegidos como ele sempre quis e fez.
Dario Boaventura teve a arte de criar com os dedos, a sabedoria de utilizar novos materiais, a curiosidade de experimentar novas cores, a audácia de adquirir uma mufla que lhe ocupou quase meio espaço do atelier mas, por outro lado, lhe permitiu fazer peças de maior dimensão.
Dedicou-se à cerâmica, em especial e quase em exclusivo, com passagens pelo bronze, pela medalhística e pintura.
Não compete a esta biografia autorizada avaliar o impacto das suas obras, esperemos pela história futura para fazer a análise, dar o valor que mereça e promover a sua arte se houver entendimento nesse sentido.
Fonte: http://historiasdolobobom.blogspot.pt

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