Joaquim Cracel Viana está a ter um início de mandato difícil. Com maioria no executivo, mas sem verbas para investir, o autarca terrabourense, reeleito pelo PS, afirma que o orçamento municipal só lhe permite fazer obras até 20 mil euros. À frente de um concelho de montanha, fustigado pelo isolamento, desertificação e envelhecimento populacional, o autarca refere que a crise está a atingir muitas famílias locais e os pedidos de emprego e ajuda que lhe chegam à Câmara são constantes.
DIÁRIO DO MINHO (DM) – A CANDIDATURA DO PS POR SI LIDERADA ALCANÇOU UMA MAIORIA ABSOLUTA FOLGADA. CHEGOU A TEMER OUTRO RESULTADO, VISTO QUE DESTA VEZ O ADVERSÁRIO DIRETO ERA UMA COLIGAÇAO (PSD/CDS-PP), ENCABEÇADA PELO EX-PRESIDENTE DA CÂMARA?
JOAQUIM CRACEL VIANA (JCV) – Nunca tive receio da coligação PSD/CDS-PP. Tive alguma apreensão pelo facto de haver cinco candidaturas e em duas delas haver membros que já foram em listas comigo e, portanto, podiam provocar alguma divisão de votos e essa divisão de votos podia favorecer a coligação. O meu receio era a divisão de votos, mas nunca tive grande receio de que em competição direta o PS perdesse para a coligação.
DM – COMO É QUE ESTÁ A SITUAÇÃO FINANCEIRA DA CÂMARA MUNICIPAL?
JCV – A situação financeira da Câmara é excelente, porque não temos nenhuma dívida acima de 90 dias. Reduzimos em 33% as dívidas de médio e longo prazo, estamos a cumprir tudo o que a lei nos obriga, não temos grandes dívidas a fornecedores. As que existem são pequenas, de 150 ou 200 mil euros, mas são controladas, pagas a 90 dias e, portanto, nem precisamos de plano de apoio à economia local. Fomos dos poucos municípios que não precisou de plano algum.
DM – MAS O SENHOR JÁ SE QUEIXOU DE DIFICULDADES A NÍVEL DE VERBAS...
JCV – Tenho dificuldades porque eu se quiser neste momento lançar uma obra de 150 mil euros, sem fundos comunitários, não consigo, porque o orçamento municipal não me permite lançar grandes obras. Permite-me coisas pequenas, até 20 mil euros, mas neste momento não consigo mais do que esse valor.
DM – ESTÁ À ESPERA DO NOVO QUADRO COMUNITÁRIO DE APOIO?
JCV – Estou à espera do novo quadro e de algumas candidaturas que fizemos ao quadro que ainda está em vigor.
DM – NESTA CIRCUNSTÂNCIA SEM DINHEIRO PARA INVESTIR, TERRAS DE BOURO É UM CONCELHO PARADO...
JCV – Não, temos um conjunto de obras aprovadas pelo QREN e em andamento como o Aqua Cávado, que já tem 60% de execução e que queremos concluir rapidamente, temos o projecto Natur Parque do Campo de Gerês, que tem 48,3% de execução, concluímos recentemente a ampliação dos sistema de água residuais. Temos ainda a requalificação da vila termal do Gerês, um investimento superior a 391 mil euros que vamos executar nos primeiros meses de 2014. Também estamos num projeto transfronteiriço de valorização, de divulgação e projeção do Parque Gerês-Xurés, estamos empenhados num programa de eficiência energética na iluminação pública do Cávado através da Comunidade Intermunicipal do Vale do Cávado e em setembro aprovámos o “Cávado Digital Mais”, que é um sistema de apoio à modernização administrativa. E há outros projectos que nós candidatámos recentemente.
DM – QUE PROJETOS SÃO ESSES?
JCV – Um projeto de promoção e divulgação da natureza e património cultural, um projeto no âmbito da Via Romana da Jeira que apresentámos com Braga e Amares, e depois há uma série de outros que estamos a aguardar a nível das freguesias. Em 2014 vamos continuar a construção de casas mortuárias, a requalificação de vias municipais, a requalificação de espaços públicos, vamos construir um ou dois parques de lazer e manutenção física e vamos requalificar um espaço desportivo em Valdosende.
DM – A BARRAGEM DE VILA RINHO DA FURNA ESTÁ MUITO AQUÉM DA BARRAGEM DA CANIÇADA EM TERMOS DE MOVIMENTO, DE ATIVIDADES NÁUTICAS. O PARQUE AQUÁTICO PROJETADO PELO ANTERIOR EXECUTIVO NÃO PODERIA ATRAIR MAIS VISITANTES ÀQUELA ALBUFEIRA?
JCV – O anterior executivo tinha a ideia de criação de um museu subaquático, mas não tinha sequer aprovação das entidades competentes.
Eu também posso dizer: “quero criar uma pista de jet ski em Vilarinho da Furna”, mas para quê dizer isto se não vai ser aprovada. Isto de ter projetos é muito fácil. Nós para avançar com as candidaturas e para elas serem aprovadas temos que ter os pareceres de uma série de entidades. A respeito da Barragem de Vilarinho da Furna, nós queremos que seja permitido, pelo menos, a canoagem. Vamos tentar, junto do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), que seja alterada a Carta do Desporto na Natureza que está em discussão pública.
DM – COMO É QUE ESTÃO AS RELAÇÕES ENTRE A CÂMARA MUNICIPAL E O ICNF E O PARQUE NACIONAL DA PENEDA- GÊRES (PNPG), DEPOIS DO CONTESTADO PLANO DE ORDENAMENTO?
JCV – As relações são normais, não há nenhum conflito com as instituições ou com as pessoas. Ficou aprovado um Plano de Ordenamento que de todo não satisfaz, nós contestámos, mas foi assim que o Ministério do Ambiente decidiu. Pouquíssimas coisas que apresentámos foram tidas em conta, a maioria não foi.
DM – A POPULAÇÃO DO CONCELHO AINDA SE SENTE INJUSTIÇADA E PREJUDICADA?
JCV – As populações sentem-se prejudicadas sobretudo porque há uma série de condições de vida que uma área protegida devia possuir. Por exemplo, todas as populações do interior do Parque já deviam ter água e saneamento e com estações de tratamento adequadas e não há um plano de intervenção nessa área; há uma série de limitações à construção, mesmo no âmbito rural a construção de vacarias têm que ter uma determinada área e, portanto, as pessoas que vivem dentro do Parque sentem-se prejudicadas e nós defendemos que isso devia ser alterado ou, pelo menos, as pessoas deviam ter uma compensação, não digo uma esmola, por viverem em áreas protegidas. Se as áreas protegidas são importantes, as pessoas que vivem nas áreas protegidas deviam também ser mais acarinhadas.
DM – TAMBÉM CONSIDERA, COMO O EURODEPUTADO JOSÉ MANUEL FERNANDES, UMA «ABERRAÇÃO» A TAXAÇÃO (152 EUROS) DE GRUPOS DE CAMINHANTES NA MATA DA ALBERGARIA, COM A AGRAVANTE DE TEREM DE SOLICITAR AUTORIZAÇÃO COM 40 DIAS ÚTEIS DE ANTECEDÊNCIA?
JCV – Claro que sim. Mesmo com as taxas elevadas há pessoas que ainda fazem os percursos. Pensávamos que o número de visitantes ia diminuir, mas isso não está a acontecer, felizmente, porque as pessoas também arriscam, muitas pessoas não tiram licença.
DM – E CONCORDA COM A APLICAÇÃO DE TAXAS PARA AUTOMÓVEIS (1,5 EURO) NOS MESES DE VERÃO?
JCV – É outra situação com a qual não concordamos. Muitas pessoas fazem aquele percurso porque precisam de ir a Espanha. Vamos solicitar ao Governo a revisão do Plano de Ordenamento do PNPG no que se refere às taxas e portagens.
DM – QUANDO É QUE VÃO FAZER ESSA DILIGÊNCIA?
JCV – No início do próximo ano.
DM – QUE AVALIAÇÃO FAZ DO FUNCIONAMENTO DO JULGADO DE PAZ DE TERRAS DE BOURO?
JCV – Faço uma avaliação positiva. Tem muitas limitações na sua atuação, mas tem resolvido muitos problemas. Acho que é um serviço que deve continuar no concelho.
DM – A POPULAÇÃO TEM RECORRIDO MUITO A ESTE “TRIBUNAL”?
JCV – Tem recorrido com alguma frequência.
DM – O MUNICÍPIO TEM AINDA 12 LOTES, DE UM TOTAL DE 17, PARA VENDER A PREÇOS BAIXOS, NO BAIRRO DA CANIÇADA EM VALDOSENDE. ESTÁ A SER DIFÍCIL LEVAR OS JOVENS A FIXAR RESIDÊNCIA NO CONCELHO?
JCV – O primeiro concurso era para jovens naturais ou residentes na freguesia e houve cinco que aderiram a essa iniciativa do Município. Agora vamos abrir para outros jovens do concelho e depois vamos abrir para toda a gente. O concelho está a ficar desertificado e o objetivo é incentivar as pessoas a construírem e a fixarem-se cá. Esperamos vender os lotes todos.
DM – O MUNICÍPIO ABRIU RECENTEMENTE NO GERÊS UM POLO DO CENTRO MUNICIPAL DE VALÊNCIAS DE APOIO À COMUNIDADE PARA SERVIR AS FREGUESIAS DE RIO CALDO, VALDOSENDE E VILAR DA VEIGA. ESTÃO PREVISTOS MAIS POLOS PARA OUTRAS ÁREAS DO CONCELHO?
JCV – Em princípio não, pensamos que não será necessário. Temos o Centro de Valências na sede do concelho que, tal como o do Gerês, proporciona serviços no âmbito de enfermagem, terapia da fala, psicologia, apoio ao estudo, aulas de música, de guitarra e de concertina, e depois as actividades de verão com as crianças que é fundamental para que os pais possam exercer as suas profissões.
DM – POR QUE É QUE DECIDIU INCLUIR NO PLANO DE ATIVIDADES PARA O PRÓXIMO ANO 14 DAS 20 PROPOSTAS APRESENTADAS PELA OPOSIÇÃO? É UMA FORMA DE COMPROMETER A COLIGAÇÃO NA GESTÃO AUTÁRQUICA?
JCV – Eu pedi aos vereadores da oposição para apresentarem propostas, eles apresentaram 20, dessas 20 sete ou oito já nós também tínhamos no plano de atividades, eram coincidentes, outras nós achámos que eram boas propostas e incluímo-las e seis não incluímos, porque, embora considerámos que também eram boas propostas, neste momento a Câmara Municipal não tem capacidade para as executar.
DM – A PRINCIPAL DEFENDIA A CRIAÇÃO DE UM CENTRO INCUBADOR DE EMPRESAS, NUM INVESTIMENTO DE 300/400 MIL EUROS...
JCV – Sem fundos comunitários a Câmara Municipal não tem hipótese nenhuma de fazer um centro de incubação empresarial. É uma proposta, no mínimo, para 500 mil euros. Se a Câmara arrancasse neste momento com uma obra desse montante sem fundos comunitários tinha o ano de 2014 completamente bloqueado. Se nós temos uma receita de 600 ou 700 mil euros por mês, se gastámos quase 300 mil euros em ordenados, se gastámos 20 mil euros em combustíveis, nos protocolos com as Juntas, nos apoios às associações, chegámos ao final do mês e sobram 60 ou 70 mil euros, se eu arrancar com um projeto de 500 mil euros hipotecava o ano todo.
DM – E DAR MEDICAMENTOS AOS MAIS NECESSITADOS OU AOS DOENTES CRÓNICOS?
JCV – Não temos hipótese, não temos capacidade para isso nem para oferecer os livros a todos os alunos até ao 12.º ano. Um agregado familiar que ganhe acima de 1.500 euros por mês não precisa, não tem necessidade nenhuma que a Câmara lhe dê 150 euros para comprar livros para os filhos. Isto não é uma medida social.
DM – QUAIS SÃO AS MEDIDAS DE ÂMBITO SOCIAL QUE O EXECUTIVO TEM PARA MINIMIZAR OS EFEITOS DA CRISE NAS FAMÍLIAS?
JCV – Vamos continuar com quase todas as medidas que tínhamos no passado. Além do Centro Municipal de Valências, que é uma importante valência de apoio social, vamos estar atentos e apoiar as famílias carenciadas na melhoria das condições de habitabilidade, vamos reabilitar edifícios públicos para habitação social, apoiaremos o pagamento de rendas de habitação a famílias socialmente desfavorecidas, vamos manter a Loja Social que tem dado um importante apoio ao nível do vestuário, do mobiliário, da alimentação, até de brinquedos para crianças. Manteremos um protocolo com o Instituto da Segurança Social assumindo alguns serviços nomeadamente na Ação Social, no Rendimento Social de Inserção e no programa comunitário de ajuda alimentar a carenciados, continuaremos a organizar uma série de actividades sobretudo para os idosos e para as crianças. Vamos manter a Ação Social Escolar, para crianças e jovens de famílias carenciadas e vamos, em colaboração com o Agrupamento de Escolas, estar atentos a todas as situações de pobreza que os alunos possam evidenciar. Vamos ainda continuar a apoiar as famílias nas atividades de verão para as crianças.
DM – COMO É QUE TERRAS DE BOURO ESTÁ A SENTIR A CRISE QUE SE VIVE NO PAÍS?
JCV – A crise está a atingir muitas famílias e eu, pelos pedidos que me chegam todos os dias, tenho essa perfeita consciência e até a angústia de viver o meu quotidiano envolvido em solicitações de emprego, de apoio e de ajudas. Em 20 pessoas que recebo em média por dia 15 vêm pedir emprego, e vêm-me contar as amarguras da vida e as situações complicadas que estão a atravessar. Estão a viver uma situação difícil.
DM – SUPONHO QUE FACE A TODAS ESTAS CIRCUNSTÂNCIAS NÃO ESTÁ NA PERSPETIVA DO EXECUTIVO AUMENTAR AS TAXAS DO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS (IMI) NEM AS TARIFAS DA ÁGUA, SANEAMENTO E LIXO?
JCV – As taxas do IMI estão no mínimo e vão continuar nos valores mínimos e as taxas e tarifários manter-se-ão também nos atuais valores.
DM – COMO É QUE O MUNICÍPIO VAI RESOLVER OS PROBLEMAS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO VERÃO?
JCV – Nós queríamos fazer investimentos. Tenho um estudo para resolver os problemas de água no concelho que ronda os dois milhões de euros, mas se não houver fundos comunitários para estes investimentos vamos ter que continuar a fazer como até aqui, andar a remediar, numa ou noutra situação, como já aconteceu, pedir aos bombeiros para irem repor o nível de água nos depósitos.
Os sistemas são antigos, são sistemas que com facilidade têm ruturas, captam em nascentes nas freguesias e as nascentes secam no verão e temos tido problemas no abastecimento de água. Andámos nesta azáfama durante o verão porque não temos capacidade financeira para resolvermos os problemas.
DM – AINDA ANSEIAM POR MELHORES ACESSOS RODOVIÁRIOS?
JCV – Queríamos ter um acesso mais rápido pelo menos a Braga, e queríamos também ter um acesso que nos ligasse à autoestrada, que é a via intermunicipal Homem-Lima, só foi feita a primeira fase com a construção da ponte de Pesqueiras, gostaríamos de ter essa ligação à autoestrada, mas neste momento de crise nacional e de falta de investimento não estou a ver possibilidade disso acontecer. E mais: tudo indica que o próximo quadro comunitário de apoio não está vocacionado para as infraestruturas rodoviárias e, portanto, vai ser mais uma dificuldade acrescida.
Fonte: Diário do Minho (Jorge Oliveira), em 9-12-2013
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